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Inovação e alto consumo são desafios da China em reforma

Atual modelo, focado em investimento produtivo e exportação, se esgotou e dará lugar ao consumo interno

Por Denise Chrispim Marin
Atualização:

PEQUIM - Passados 30 anos de robusto crescimento econômico, a China desacelera para pôr a casa em ordem. O modelo assentado em taxas elevadas de investimento produtivo e de exportação se esgotou e dará lugar a um sistema sustentado pela expansão do consumo doméstico. O país não crescerá mais a taxas acima de 10% ao ano. No máximo a 7,5%, como previsto para este ano. Mas, se as reformas anunciadas em novembro derem certo, o “Império do Centro” deixará de ser conhecido pelo selo “fabricado na China” e passará a ter como referência o “inovado na China” a partir de 2020.

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A transformação não será fácil. O governo terá de regular o sistema que corre em paralelo no mercado financeiro - os “shadow banks”, bancos da sombra - e desinflar a bolha imobiliária. Terá de despoluir as megalópoles e acomodar o grosso da população rural em novas cidades. Terá de construir uma previdência social e melhorar os serviços públicos de educação e saúde. Terá de desmontar o sistema de crédito que transfere a renda das famílias para as estatais. A adoção do pacote de reforma com 60 tópicos será, ao final, a pedra angular para a preservação no poder do Partido Comunista Chinês sobre todo o país continente.

“A China cresceu a quase 10% ao ano em 40 anos. A política econômica cumpriu seu papel, mas estava baseada no crescimento e no consumismo desenfreado dos Estados Unidos e gerou, na China, concentração de renda e queda do consumo como parcela do Produto Interno Bruto (PIB)”, afirmou o ex-emPara derrubar as resistências de governos locais e de segmentos da cúpula de Pequim, o presidente Xi Jinping criou uma comissão de monitoramento da reforma e lançou uma agressiva - e popular - campanha contra a corrupção. Os anúncios no 3.º Plenário do 18.º Congresso do PCC, em novembro, indicam não haver saída senão a maior adaptação da economia às regras de mercado, o atendimento às demandas da nova classe média e a correção de distorções acumuladas em quatro décadas. A demanda mundial não retomará os níveis anteriores à crise de 2008. Os custos trabalhistas da produção na China já não estão entre os mais baixos do mundo. A média de salários em 2012, de US$ 625 mensais, passou a do México, de US$ 459.

baixador do Brasil em Pequim Clodoaldo Hugueney. “A prioridade agora será agregar bem-estar social, qualidade e inovação aos produtos, competitividade no setor de alta tecnologia e melhoria do meio ambiente.”

As reformas vieram com metas ousadas: transformar o país no maior centro de inovação em 2020. Trinta anos mais tarde, a China deverá superar os EUA como líder global em inovação. O potencial existe. A China investe massivamente em inovação nas áreas de energia limpa, aeroespacial, infraestrutura e informática, além da melhoria de seu sistema de proteção à propriedade intelectual. Também é o segundo no mundo em publicações científicas e, dentre os estudantes estrangeiros nos EUA, 29% (287,3 mil) são chineses.

Para liderar o ranking de inovação, as suas estatais, seu sistema financeiro e sua política macroeconômica terão de mudar. Nessa tarefa, não haverá espaço nem para os shadow banks nem para as estripulias fiscais dos governos locais, altamente endividados. Subsídios aos serviços públicos terão de desaparecer, da mesma forma que os desequilíbrios nos balanços das estatais. Tampouco sobreviverão na China o controle de capitais, a cotação artificialmente desvalorizada do yuan - em 40% desde 2005 - e as estatísticas econômicas pouco confiáveis.

Parte dessa mudança, porém, dificilmente chegará a tópicos altamente questionáveis. Roberto Dumas Damas, especialista em China e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), não vê possibilidade nenhuma de os bancos (estatais) deixarem de atuar como braço fiscal do governo. As mesmas instituições, segundo o economista Miguel Daoud, mantêm seus balanços em segredo. “Pode haver uma montanha de crédito podre lá dentro, especialmente das estatais.”

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Armadilha. O sucesso do partido único nessa transformação é posto em xeque por economistas. “Ouço essa groselha de reforma há dez anos”, diz Dumas, que duvida da vontade política do governo de acabar com o controle de capitais e permitir a flutuação do câmbio. Para outros, a China dificilmente vai escapar da armadilha da renda média, que a prende ao grupo emergente.

“O problema é que essas reformas vão tomar tempo. Até mudar o comportamento de consumo das famílias, o processo será gradual e lento”, diz Otaviano Canuto, conselheiro da presidência do Banco Mundial. Segundo ele, se a mudança não ocorrer, a China poderá até ter um PIB impressionante. Mas continuará presa à armadilha da renda média. Não deixará de ser, como agora, uma economia emergente.

Ritmo acelerado. O modelo em curso na China até o final de 2013 foi adotado nos anos 80, sob o comando de Deng Xiaoping. A economia crescera 6,7% ao ano entre 1958 e 1978, em termos reais, quando começou a distanciar-se do modelo soviético e a apostar no aumento do investimento produtivo - nacional e estrangeiro - e das exportações. Desde 1979, passou a crescer ao ritmo anual de 10%.

A cada oito anos, a economia chinesa dobrou de tamanho, segundo relatório do Congressional Research Service, dos Estados Unidos, de dezembro. Em 2006, a China superou o Japão como segundo maior produtor de manufaturas e, quatro anos depois, os EUA.

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Essa mudança foi possível graças à elevação do investimento produtivo, de 25% do PIB, em 1990. Em 2012, atingiu o pico de 48,7%. Parte desses recursos provêm da poupança altíssima do país, de 53%, em 2008, Outra parte vem dos investimentos estrangeiros diretos (IED), que passaram de US$ 2 bilhões, em 1958, para US$ 108 bilhões há dois anos - US$ 1,3 trilhão, em cifras acumuladas.

As empresas estrangeiras na China, dedicadas sobretudo a setores de alta tecnologia, totalizavam 445,2 mil em 2010. As estatais somavam 158 mil em 2008.

A máquina produtiva, motivada pelo custo baixo da mão de obra, foi programada para a exportação agressiva. A política de controle e desvalorização cambial facilitou a competitividade dos produtos “fabricados na China”. Os embarques chineses cresceram de US$ 14 bilhões, em 1979, para US$ 2,1 trilhões em 2012. As reservas internacionais continuam a ser as maiores do mundo, de US$ 3,7 trilhões em 2013.

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