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Judicialização, um mal necessário?

Comercializar planos que não garantam o rol de cobertura mínima fere os princípios da assistência à saúde

Por Andréa Bento
Atualização:

Anualmente, milhares de novos casos de câncer são diagnosticados no Brasil e, segundo estudo realizado pelo Observatório de Oncologia, a doença será a maior causa de morte no Brasil em 2029, ultrapassando as doenças cardiovasculares. Dentre as explicações está o processo de envelhecimento da população – hoje 12% dos brasileiros têm mais de 60 anos, porcentual que deverá subir para 30% em três décadas. Vale ressaltar que a faixa etária que mais cresce no País é aquela de mais de 80 anos.

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Mas para que esse aumento da expectativa de vida da população não se torne um peso, temos de nos preparar com políticas educacionais e de saúde.

A indústria farmacêutica, antenada a esse cenário, vem investindo fortemente em pesquisas e inovação e, consequentemente, a cada dia, apresenta um arsenal de drogas no mercado, aumentando a qualidade de vida dos pacientes. Mas, para ter acesso a tanta inovação, não são raros os casos que necessitam do fenômeno judicialização, um dos maiores gastos da saúde hoje.

Dessa forma, temos um grande desafio: equilibrar a medicina, a política e a economia em saúde, afinal, nosso sistema tem recursos finitos.

A assistência à saúde é um direito de todos e um dever do Estado, segundo a Constituição Federal do Brasil, mas como o sistema público não é suficientemente eficaz para atender todos os cidadãos, ele permite que a saúde suplementar, que contempla 50,6 milhões de beneficiários, cerca de 25% da população, faça esse papel.

Nessa visão, muitos cidadãos buscam nos planos de saúde a principal alternativa para garantir acesso ao tratamento, que podem ser por planos coletivos ou individuais. Na maioria dos casos, paga-se um valor alto por um bom plano de saúde – e não podemos esquecer de dizer que idosos, muitas vezes, chegam a entregar sua aposentadoria por inteiro para ter acesso a um hospital particular via plano.

Para regulamentar esse mercado foi sancionada, em junho de 1998, a Lei 9.656. Dois anos depois, foi criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar.

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A ANS é hoje o órgão fiscalizador e controlador dos planos de saúde que vem apresentando um excelente trabalho, garantindo que as operadoras de saúde não qualificadas sejam banidas do mercado e estabelecendo um rol de coberturas mínimas, garantindo um mínimo essencial para o usuário.

Com essas ações, a saúde suplementar avançou muito na área da oncologia, como por meio da incorporação dos quimioterápicos orais, da inclusão de exames e procedimentos de alta complexidade, coberturas para transplante de medula óssea e incorporação de novas tecnologias a cada dois anos.

Temos de reforçar que, se não fosse a regulação da ANS, dependeríamos da vontade da operadora de saúde em atender seus usuários, o que poderia aumentar o número de pacientes que teriam de recorrer à Justiça para ter acesso a tratamentos.

Dentre as principais dificuldades enfrentadas pelos pacientes em relação às suas operadoras de saúde estão: negativas de coberturas/atendimentos (exames, cirurgias, quimioterapias, radioterapias), rede de atendimento insuficiente, com poucas opções de laboratórios e clínicas especializadas, além da mudança de clínicas especializadas durante o tratamento, devido ao descredenciamento de serviços pelo plano.

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A Abrale, por meio do seu departamento de apoio ao paciente, recebe todos os dias inúmeros de casos assim. Nossos pacientes, mesmo que pagando por uma saúde melhor, acabam enfrentando essas e outras dificuldades durante o processo de tratamento, que, cá entre nós, já é bastante doloroso.

Buscando melhor solução, criamos a cartilha Direitos dos Pacientes, com informações completas sobre as garantias dadas aos usuários de convênios médicos, e também a cartilha Planos de Saúde, que explica de forma aprofundada e com uma linguagem simples como a saúde suplementar funciona no Brasil, garantindo informações essenciais como: o que deve ser considerado antes de contratar um bom plano de saúde? O que fazer em casos de negativas de coberturas? Como buscar acordos extrajudiciais? E, em último caso, como entrar na Justiça em situações que a conciliação não deu resultado?

Ainda temos muito que avançar. É preciso garantir um teto de reajuste para os planos coletivos, pois hoje só temos para planos individuais, o que tem levado esse tipo de plano quase à extinção; garantir que as operadoras cumpram com o fornecimento dos medicamentos e procedimentos estabelecidos no rol, sem ser preciso buscar a via judicial; estabelecer um critério de exceção que permita que, em alguns casos, a incorporação de droga órfã ocorra anualmente.

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Por esses motivos é que a criação dos planos populares, proposta pelo atual ministro da Saúde, vai contra tudo o que foi construído até hoje em matéria de regulação da saúde privada. Comercializar planos que não garantam o atendimento ao paciente nem sequer atendam ao rol de cobertura mínima fere o princípio da finalidade da assistência à saúde.

Varias associações de pacientes, como também o Conselho Nacional de Saúde, repudiam essa medida do atual governo. Trata-se de mais um retrocesso à saúde no Brasil.

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