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Karma instantâneo

Autoridades indianas permitem a exportação do macarrão supostamente contaminado da Nestlé

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Por Redação
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Bastam alguns minutos para prepará-lo, mas o alimento processado mais popular da Índia é alvo de uma disputa arrastada, desde que algumas autoridades decidiram que seu consumo representa um risco à saúde. No dia 30 de junho, o Tribunal de Justiça de Mumbai autorizou a Nestlé da Índia a exportar seu macarrão instantâneo Maggi, mas as vendas no interior do país continuam interditadas. Foi a segunda vez que a subsidiária indiana da gigante de alimentos suíça tentou recorrer à Justiça para reverter o veto imposto em 5 de junho pela Food Safety and Standards Authority (FSSAI), órgão de vigilância sanitária do país asiático.

As dificuldades da Nestlé começaram quando uma agência sanitária do Estado de Uttar Pradesh declarou ter encontrado níveis excessivamente elevados de chumbo no macarrão instantâneo. A empresa sustentou que o macarrão era próprio para o consumo, mas retirou o produto de circulação horas antes do veto ser imposto, alegando que a confiança do público ficara comprometida. Até o momento, foram incineradas 17 mil toneladas do macarrão instantâneo. Concorrentes como a Unilever também resolveram tirar suas marcas de macarrão instantâneo das prateleiras dos supermercados até a poeira baixar.

Até o momento, foram incineradas 17 mil toneladas do macarrão instantâneo na Índia Foto: Divulgação

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A FSSAI disse à Justiça não se opor a que a Nestlé exporte o produto, mas reafirmou sua decisão de vetar sua comercialização na Índia. A decisão parece estranha quando se considera que as autoridades de Cingapura suspenderam o embargo que haviam temporariamente imposto ao macarrão instantâneo Maggi, depois de a agência de vigilância sanitária do país determinar que o produto é próprio para o consumo, e que Hong Kong também deu sinal verde para o macarrão instantâneo produzido pela subsidiária indiana da Nestlé. 

Na quarta-feira passada, a vigilância sanitária da Grã-Bretanha informou que testou um lote de macarrão instantâneo Maggi importado da Índia e verificou que a concentração de chumbo estava totalmente dentro dos padrões da União Europeia, não apresentando risco algum à saúde.

Tudo indica, portanto, que os testes realizados pelas autoridades indianas produziram resultados incorretos. Mas a Justiça ainda não se pronunciou sobre isso. O exame do caso foi suspenso até 14 de julho, para que a Nestlé responda a declarações legais apresentadas pela FSSAI e por outros órgãos envolvidos no processo, incluindo a Food and Drug Administration (FDA) de Maharashtra, o Estado em que o Tribunal de Mumbai exerce sua função jurisdicional.

As empresas estrangeiras que atuam na Índia talvez tenham a sensação de estarem sendo discriminadas. Em 2006, tanto Coca-Cola como PepsiCo tiveram que se defender de ambientalistas que diziam que seus refrigerantes continham pesticidas. No mês passado, foi a vez da rede de fast-food KFC repudiar “alegações falsas”, feitas por um grupo de defesa dos direitos da criança, de que havia traços de bactérias venenosas em seus frangos. No entanto, a queixa que mais se ouve sobre os órgãos responsáveis pela fiscalização dos diversos segmentos da economia indiana não diz respeito a seu “protagonismo” excessivo, e sim ao fato de serem mal aparelhados para substanciar suas acusações. 

Satya Prakash, especialista aposentado em segurança alimentar, advertiu o governo de que alguns de seus laboratórios não têm condições de realizar nem testes básicos. Em janeiro de 2004, a agência de aviação americana rebaixou o grau de segurança aérea da Índia porque seu órgão regulador dispunha de um número reduzido de funcionários treinados (a medida foi revertida em abril).

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A Nestlé poderia ter limitado o prejuízo se tivesse lidado mais prontamente com as autoridades sanitárias indianas. Mas a multinacional suíça pode buscar consolo no fato de que outras empresas de alimentos estrangeiras se recuperaram de adversidades similares. Em 2003, a FDA de Maharashtra recolheu lotes de produtos da britânica Cadbury, depois que vermes foram encontrados em algumas de suas barras de chocolate. 

Inicialmente a Cadbury disse que a infestação só poderia ter ocorrido em decorrência de algum descuido de armazenagem por parte dos varejistas. A FDA contestou a empresa, dizendo que a embalagem dos chocolates deveria ser resistente a vermes. Então a Cadbury reformulou as embalagens e relançou seus produtos com uma grande campanha publicitária. Hoje é mais uma vez a líder do mercado de chocolates na Índia.

Os investidores parecem estar apostando que a Nestlé também conseguirá reconstruir sua reputação. As ações de sua subsidiária indiana, que chegaram a cair 20% no pior momento da crise, recuperaram metade dessas perdas depois da audiência judicial da semana passada. O mais lamentável no episódio, sobretudo num país em que há tanta gente passando fome, é que muito provavelmente enormes quantidades de alimento foram destruídas sem necessidade.

© 2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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