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Liderança do Brasil na OMC ganha admiradores e críticos

Atuação da diplomacia brasileira nas negociações ganhou força com a criação do G-20

Por Jamil Chade e GENEBRA
Atualização:

O Brasil passou a fazer parte do grupo de países com poder de influenciar as negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas a nova realidade da diplomacia brasileira também modificou a forma como o governo atua nos bastidores das reuniões em Genebra e como é visto pelos demais países e até pela imprensa estrangeira. Se a diplomacia brasileira ganhou admiradores por ser ativa, também provocou um sentimento de suspeita, desconfiança, irritação e até temor entre vários governos, alguns até da América do Sul. Durante décadas, as regras do comércio internacional eram praticamente decididas por americanos e europeus. O restante da comunidade internacional pouco conseguia influenciar, o que explica o "apartheid" em que foi mantida a agricultura por décadas. Mais recentemente, porém, os países emergentes conseguiram redesenhar a geometria das negociações. Os primeiros passos foram dados pelo Brasil no lançamento da Rodada Doha, em 2001, e com a decisão de lançar disputas contra os subsídios americanos e europeus, em 2002. Mas ganhou força com a criação do G-20 (grupo de países emergentes), em 2003. Desde então, o País é um ator constante nas negociações. "O Brasil se tornou um dos líderes das negociações e atua de forma incisiva. De fato, sua liderança é vista por alguns até mesmo como sendo desproporcional à sua participação no comércio internacional", afirma o jornalista americano Daniel Pruzin, que há nove anos cobre a OMC e é presidente da Associação de Jornalistas Credenciados na ONU em Genebra. Hoje o Brasil não está nem entre os 20 maiores exportadores e representa apenas 1% do comércio internacional. Parte da posição de destaque vem do conhecimento dos diplomatas sobre comércio. Claudia Uribe, embaixadora da Colômbia na OMC, lembra que, quando era vice-chanceler, recomendou a seu governo que enviasse os diplomatas colombianos para estudar no Brasil. Outra explicação seria o espaço ainda não preenchido pela China, segunda maior exportadora do mundo, que ainda adota uma postura tímida na OMC. O resultado é que, na OMC, dificilmente o Brasil fica de fora de uma iniciativa, ainda que seja como vítima. Na última semana, por exemplo, o governo temeu ficar isolado e mobilizou os países emergentes mais protecionistas e outras 70 economias mais pobres. O objetivo era bloquear uma proposta de corte de tarifas de bens industriais. Esses governos não terão de abrir seus mercados e, teoricamente, não teriam por que condenar a proposta. Mas optaram por defender a posição do País. Se politicamente a operação funcionou, a atitude provocou críticas. Negociadores alegam que a insistência do Itamaraty de se colocar como porta-voz dos países em desenvolvimento nem sempre tem respaldo dos demais governos. "A liderança brasileira na OMC é uma posição autodeclarada", ataca o uruguaio Carlos Perez de Castillo. Ex-presidente do Conselho Geral, Del Castillo não teve o apoio do Brasil e foi derrotado nas eleições para dirigir a OMC. DESGASTESMas a atuação do Brasil nas negociações também enfrenta desgastes. Durante os últimos seis meses, parte do processo foi mantido em sigilo nas reuniões entre Brasil, EUA, Europa e Índia. Mas, representando os países emergentes, o Itamaraty foi pressionado a dizer o que estava fazendo e revelar se não estava fazendo concessões. Para diplomatas experientes no Itamaraty, a desconfiança é normal e, para evitar animosidades, reuniões regulares eram organizadas entre o Brasil e os demais emergentes. Mas a desconfiança era tanta que, durante a conferência dos quatro países em Potsdam, há um mês, vários jornalistas recebiam ligações de embaixadores do G-20 para saber o que estava ocorrendo. "Ficamos sem contato com os países que diziam que nos representavam", disse um negociador, em referência à Índia e ao Brasil. Dias depois, um grupo de países saiu de uma reunião do G-20 em Genebra criticando a falta de transparência do Brasil. Ao ser publicada a informação no Estado, diplomatas brasileiros ligaram para cada um dos países que haviam se queixado mostrando desagrado com a atitude. DIVISÃOApesar da pressão do Brasil para derrotar a proposta de cortes de tarifas de bens industriais, americanos e europeus acreditam que há uma divisão dos países emergentes. O embaixador dos Estados Unidos na OMC, Peter Allgeier, publicou um artigo na semana passada no The Wall Street Journal, no qual questiona até que ponto o Brasil representa os emergentes. Já o ministro das Relações Exteriores da França, Bernard Kouchner, alerta que os países em desenvolvimento não podem ser tratados como um só grupo. Entre os embaixadores estrangeiros procurados para comentar a situação do Brasil, ninguém quis falar abertamente. "Isso não seria bom para as relações entre os nossos países", justificou um. "Se eu falar o que penso, amanhã sou enviado de volta a meu país", disse outro. 

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