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Máfia dos combustíveis frauda, corrompe e faz ameaças de morte

Gravações revelam como distribuidores fazem acertos dentro da Agência Nacional do Petróleo

Por Agencia Estado
Atualização:

Adulteração de combustíveis e sonegação de impostos é assunto velho. Entra ano sai ano, a maior novidade é o prejuízo estimado. Há cinco anos, o Estado mostrava que o rombo fiscal estava na casa do R$ 1 bilhão. A CPI dos Combustíveis e a Receita Federal no ano passado calcularam esse montante em R$ 10 bilhões - a maior parte em combustível adulterado, já que o solvente não tem a carga tributária da gasolina. O Sindicato das Distribuidoras de Combustíveis (Sindicom) faz uma conta mais conservadora: R$ 2,6 bilhões ao ano - R$ 1 bilhão em adulteração e contrabando na gasolina; R$ 1 bilhão em sonegação do álcool e R$ 600 milhões no restante. Fiquemos com ela. Com esse imposto não arrecadado, o governo poderia pagar este ano a diferença entre o mínimo de R$ 260 e o de R$ 275, como queria a oposição, e ainda sobraria um troco de R$ 470 milhões. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) tem 51 fiscais para as 428 bases de distribuição e os 30 mil postos no País. Assoberbados, alguns ainda acham tempo para zelar dos próprios negócios. Donos de postos comentam que um fiscal da ANP - não devem ser todos - custa de R$ 5 mil a R$ 10 mil. Mesmo aqueles - cada vez mais raros - que conseguem sobreviver à concorrência sem adulterar combustíveis se vêem freqüentemente obrigados a pagar propinas para evitar prejuízos maiores. Um dono de posto conta que não pagou e levou uma multa de R$ 70 mil porque em uma das bombas faltava um papel informando as especificações técnicas do combustível: composição química, grau de octanagem, etc. Acertos - Mas não é só nesse corpo a corpo que está a explicação para a doce impunidade dos adulteradores de combustíveis. Gravações obtidas pelo Estado ilustram como se fazem acertos no coração da ANP. Nas conversas, um dono de distribuidoras comenta com o marido de Cláudia Maia Bandeira, número 2 da Superintendência de Abastecimento da ANP, favores feitos pelo coordenador de Fiscalização da agência, César Ramos Filho. "A ANP está bichada", resume um parlamentar. O Parlamento também. Depois de levantar alguns nomes de suspeitos de fraudes, a CPI dos Combustíveis acabou em nada, porque a maioria de seus membros se vendeu para os criminosos. Pelas contas de um de seus membros, 14 dos 24 deputados da comissão trabalhavam para adulteradores e sonegadores. Quando não compra, a máfia dos combustíveis intimida. Donos de postos honestos, parlamentares e até delegados de polícia medem as palavras e pedem anonimato porque já receberam ameaças de morte e não têm dúvidas da disposição de seus autores - confirmada em vários atentados - de cumpri-las. Com sua rede de corrupção de parlamentares, policiais, fiscais e autoridades do governo, os adulteradores de combustíveis são incrivelmente bem informados. O participante de uma blitz a postos de gasolina conta que uma operação, envolvendo funcionários da ANP e policiais, foi planejada sigilosamente numa quinta-feira, para ser realizada na segunda-feira seguinte. Na sexta, dois policiais e um deputado que jogavam no time contrário o procuraram: "Vocês vão fazer uma blitz em tal lugar na segunda, né?" Atração - Com um faturamento de R$ 115,7 bilhões ao ano, o mercado de combustíveis do Brasil é extraordinariamente atraente. Com uma carga tributária que chega a 60% no caso da gasolina, ele é também um convite à sonegação. "Em todo o mundo, combustível é muito taxado", observa Alísio Vaz, diretor de Defesa da Concorrência do Sindicom. "Os Estados Unidos cobram menos, mas a Europa cobra mais impostos do que o Brasil. Só que, para ter imposto europeu, é preciso ter também fiscalização européia." A conjunção de fiscalização precária, corrupção e tributação elevada leva ao caos brasileiro. Segundo o deputado Luiz Antonio Medeiros (PL-SP), presidente da CPI da Pirataria, cerca de 20% do combustível consumido no Brasil está adulterado. No Estado de São Paulo, para onde convergem as distribuidoras picaretas, essa incidência deve ser maior. Em Bragança Paulista, onde, numa experiência pioneira, policiais coletaram secretamente gasolina nos 32 postos da cidade, 12 vendiam o produto misturado com solvente. Se servir de parâmetro do que ocorre no Estado, mais de um terço do que se vende como gasolina não é bem isso. A verdade é que, virtualmente sem fiscalização, ninguém sabe ao certo quanto do que se vende nos postos é gasolina e quanto é solvente. Mas, para efeito de cálculo, aceitemos o dado da ANP, segundo o qual 11% dos combustíveis estão adulterados no Estado de São Paulo. Há 8.300 postos no Estado. Cada um vende, em média, 170 mil litros de combustíveis por mês. Disso, 60% é gasolina. Se 11% estiver adulterado, estamos falando de 93,126 milhões de litros por mês. Só em São Paulo. Só de gasolina. "Genérico" - Donos de postos não costumam comprar na inocência o combustível adulterado. O preço já o denuncia. Depois do aumento de 10,8% no dia 14, o litro da gasolina sai por cerca de R$ 1,78. Se uma distribuidora oferece por menos que isso, não pode estar dentro das especificações. A nota vem em geral superfaturada, para esconder a incoerência. E o vendedor em geral avisa ao dono do posto: "É genérica". "Digamos que o sujeito seja 90% honesto, que só deixe de pagar 10% do imposto devido", conjectura Alísio Vaz, do Sindicom. "Para uma carga tributária de R$ 1,24 por litro de gasolina, o ganho por litro seria de R$ 0,12." Multiplicado pelo volume vendido por um posto, que chega facilmente aos 100 mil litros por mês, é um ganho extra de R$ 12 mil mensais. O dinheiro é fácil; a punição, camarada. Na improvável hipótese de ser pego, o dono do posto paga multa que em geral não passa dos R$ 3 mil. O tanque é esvaziado e o combustível, devolvido à distribuidora que o vendeu. A bomba fica lacrada só até que a distribuidora mande nova remessa. Na prática, o combustível ruim acaba vendido para outro. Na distribuidora e no posto autuado, a vida continua.

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