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Marketing e curto prazo fazem mal à saúde

As saídas, e existem muitas, passam todas pela seriedade, especialização e projetos de curto e longo prazos

Por Antônio Britto
Atualização:

Em poucas semanas, as equipes dos candidatos à Presidência da República e aos governos estaduais começarão a maratona de reuniões para definição do que será o discurso de cada um, temas prioritários, propostas, promessas. O marqueteiro deve ser o primeiro a falar. Informará que honestidade, saúde, segurança e educação são os temas tristemente mais lembrados pelos brasileiros quando olham para a situação do País.

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Imaginem que, aberta a discussão sobre o tema saúde, um dos especialistas, ligado à candidatura, diga: “Não há soluções nem simples nem imediatas para o sistema de saúde e em particular para a crise dos hospitais, a demora no atendimento, as restrições de acesso a medicamentos, tratamentos, cirurgias. Devemos por isso propor que nossa prioridade não será nenhum programa de curto prazo nem a simples construção de prédios ou compra de equipamentos. Vamos, ao contrário, fazer o que tem de ser feito: fortalecer a prevenção, trabalhar para que a população assuma novos hábitos, criar mais equipes de saúde da família, tornar mais eficientes os postos de saúde existentes, treinar muito o pessoal e apenas construir ou equipar onde realmente haja uma necessidade técnica comprovada. Por isso, inclusive vamos ter de fechar alguns hospitais, remover equipamentos de outros”.

Provavelmente este seja o discurso de despedida do nosso sincero especialista. O marqueteiro retoma a palavra. “Isso é impossível. Como ir para a televisão e dizer coisas que não cabem em uma frase? Afirmações fortes, carregadas de esperança? Temos que ter um discurso simples que garanta providências já no primeiro dia”.

Constrói-se então, com pequenas variações, o discurso velho:

“A situação da saúde é insustentável (cenas de macas em hospitais), o povo sofre (entrevistas de quem perdeu familiares). Não vamos aceitar isso. No meu primeiro dia...”

E aí virá o de sempre. Uma série de palavras, geralmente terminadas em “ão”, tentando passar a ideia de força para meros paliativos – os corujões, os mutirões, as construções, etc.

Não é de graça que ao final de 2017, apenas terminado o primeiro ano de gestão dos atuais prefeitos, mais de 2 mil secretários municipais de Saúde tivessem se afastado ou sido demitidos. Afinal, a situação é grave e não será enfrentada com o discurso tradicional das campanhas.

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Ou seja: vamos, de novo, fazer escolhas fundamentais para o futuro do Sistema de Saúde no Brasil. E para isso precisamos mudar a forma como discutimos saúde para conseguirmos resultados positivos, cobrados pela população. Mantido o sistema atual em que o curto prazo e o marketing coordenam as políticas de saúde apenas andaremos para trás, como tem sido visto e sentido pela população. As saídas, e existem muitas, passam todas pela seriedade, a especialização e projetos de curto e longo prazos, ainda que melhorias específicas possam ocorrer em menor tempo.

Quem assume o desafio de gerir a saúde sem compromisso nem experiência com o setor e, pior, tendo como horizonte máximo a próxima eleição nem aceitará nem liderará os projetos que realmente podem ajudar os brasileiros.

Não se trata de dizer que políticos não podem exercer posições em saúde. Trata-se, isto sim, de assegurar que qualquer um, político ou não, apenas servirá à saúde se vier a exercer uma gestão responsável, sustentável, baseada e motivada por razões técnicas. A partidarização na gestão da saúde tem levado, entre outros prejuízos, às soluções marqueteiras e ao curto prazo. Estas podem gerar simpatias temporárias e talvez votos. Só não ajudam a enfrentar o problema.

Estaremos dispostos a ouvir a palavra ponderada dos técnicos e chamar a população ao conhecimento da realidade? Ou a campanha, mais uma vez, prometerá a mágica para depois, no governo, entregar a decepção? Até quando seguiremos a reboque da saúde marqueteira? 

PRESIDENTE EXECUTIVO DA INTERFARMA (ASSOCIAÇÃO DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA), JORNALISTA, FOI MINISTRO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, GOVERNADOR DO RIO GRANDE DO SUL E DEPUTADO FEDERAL CONSTITUINTE. TAMBÉM ATUOU COMO SECRETÁRIO DE IMPRENSA DO GOVERNO TANCREDO NEVES

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