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Microsoft chega à meia-idade abrindo janelas

A gigante que já dominou o mercado de softwares está determinada a provar que a vida começa de novo aos 40

Por The Economist
Atualização:

“Qual é a de vocês? Estão com aquela estratégia do ‘Windows que se dane’ de novo?” Anos atrás, no fim da década de 90, quando Bill Gates ainda comandava a Microsoft, qualquer funcionário que se atrevesse a propor algo capaz de representar uma ameaça, por mínima que fosse, ao império do carro-chefe da empresa podia se preparar para ouvir poucas e boas. 

Mesmo depois que Gates foi sucedido por Steve Ballmer, em 2000, essa continuou sendo uma lei inquestionável na sede da companhia, em Redmond, no Estado de Washington. Tudo que se fazia na Microsoft tinha por objetivo fortalecer o Windows, tornando ainda mais esmagador o domínio exercido pelo sistema. Muitas das melhores inovações criadas pela empresa Foram abortadas por causa dessa “taxa estratégica”, como a política era conhecida internamente.

Nadella (C), com Gates (E) e Ballmer (D), quer que empresa deixe de ser Windows-dependente Foto: Microsoft

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Hoje as regras em Redmond são diferentes. O novo presidente da empresa, Satya Nadella, que assumiu no ano passado, tem calafrios quando ouve a expressão “taxa estratégica” e diz que a única orientação dada a seus funcionários agora é que eles “façam coisas de que as pessoas gostem”. Algumas das medidas adotadas por Nadella certamente teriam sido vistas por seus dois predecessores como exemplos da estratégia “Windows que se dane”. O popular pacote Office, que reúne um processador de texto, um software de planilha eletrônica e outros aplicativos, agora roda em dispositivos móveis que usam sistemas operacionais de concorrentes. A empresa se abriu para os softwares livres e de código aberto, antes vistos como anátemas. Num evento realizado em San Francisco, em outubro do ano passado, Nadella exibiu uma projeção com a frase: “A Microsoft ama o Linux”. Quando presidia a empresa, Ballmer chegou a dizer que esse sistema operacional de código aberto era um “câncer”.

Ontem, quando a Microsoft celebrou seu aniversário de 40 anos, executivos e acionistas da empresa devem ter se lembrado nostalgicamente dos velhos tempos. Nascida no ano em que a dupla Captain & Tenille liderava as paradas de sucesso com a canção Love will keep us together, a empresa completou 20 anos já à frente da mastodôntica IBM, para perder a forma depois dos 30, quando foi superada por sua arquirrival Apple.

A ideia de Nadella para revigorar a Microsoft é fazer com que ela deixe o mais rápido e radicalmente possível de ser uma companhia Windows-dependente, para se tornar uma rede global de datacenters gigantes, capaz de oferecer ampla gama de serviços online para empresas e indivíduos. Até o momento, o novo CEO tem sido bem-sucedido na tarefa de mudar o curso desse transatlântico empresarial, com seus 123 mil funcionários e faturamento anual de US$ 87 bilhões.

A transição por que passa a Microsoft tem sido acompanhada de perto por outras gigantes de tecnologia - velhas e novas -, seja porque elas também atravessam mudanças semelhantes e igualmente arriscadas, seja porque receiam ter de reinventar a si próprias no futuro. Cisco, EMC, HP, Oracle, IBM e SAP - todas elas têm de fazer a passagem de um mundo em que os computadores ficavam nas mesas das pessoas, ou no subsolo das empresas, para um mundo em que a maior parte do processamento de dados se dá em “nuvens”, isto é, em datacenters remotos, ou nas mãos das pessoas, sob a forma de dispositivos móveis.

Amazon, Apple, Facebook, Google e similares tentam constantemente se precaver contra o surgimento de novas “plataformas”, com base nas quais empresas concorrentes possam desenvolver aplicativos que lhes roubem parte da clientela. Foi por isso que o Facebook, do alto de seus 11 anos, recentemente gastou US$ 22 bilhões para comprar o serviço de mensagens WhatsApp e outros US$ 2 bilhões para adquirir a Oculus VR, uma fabricante de headsets de realidade virtual.

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Afirmar que a Microsoft se resumia ao Windows sempre foi, em certa medida, uma simplificação. Mais exato seria dizer que o sistema operacional era a base de um conjunto bem estruturado de programas que a empresa foi desenvolvendo ao longo dos anos. Depois que o Windows conquistou sua posição dominante no mercado de computadores pessoais, ainda na década de 80, o sistema passou a vir acompanhado do Office, que se tornou igualmente onipresente. Quando os PCs de alto desempenho, conhecidos como servidores, viraram equipamento padrão nos datacenters internos das empresas, a Microsoft repetiu a jogada: desenvolveu um pacote de softwares para servidores, incluindo sistemas de e-mail, bancos de dados e diversos outros tipos de aplicativos voltados para o mundo dos negócios, todos perfeitamente adaptados ao Windows. Foi esse pacote que, em meados dos anos 90, ajudou a Microsoft a tirar da IBM o posto de mais valiosa empresa de tecnologia.

É perfeitamente possível usar os softwares de determinada fabricante com os de suas concorrentes, mas eles funcionam melhor quando são da mesma marca. Isso impulsionou as vendas da Microsoft (e a expôs a uma série de ações antitruste), mas também beneficiou os usuários. Agora, com a computação se mudando para as nuvens, esse modelo começa a fazer água. Os softwares estão se tornando serviços prestados pela internet e, em sua maioria, baseados em padrões abertos. “Atualmente, é mais fácil que nunca usar programas desenvolvidos por empresas diferentes”, explica George Gilbert, da consultoria TechAlpha Partners. “E a ideia de um sistema operacional é muito menos relevante.”

A Microsoft foi, ironicamente, uma das primeiras fabricantes de software a reconhecer o potencial da computação em nuvem. Mas essa presciência foi distorcida pela obsessão em proteger sua linha de produtos. No início, o serviço de computação em nuvem Azure, que a companhia começou a desenvolver em 2006, era basicamente uma versão online de seu conjunto de softwares proprietários. Isso deixou todo um mercado aberto para que outros provedores de serviços em nuvem - em especial, a Amazon - oferecessem capacidade bruta de processamento, sobre a qual os usuários podiam rodar qualquer mix de programas que desejassem.

A Microsoft também foi uma das primeiras a se dar conta das perspectivas promissoras dos smartphones. Mas tentou fazer com que eles adotassem o Windows, em vez de desenvolver um novo sistema operacional, mais apropriado a dispositivos móveis, como fez a Apple.

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Nadella era o encarregado pelo Azure antes de se tornar CEO da companhia, e fez renascer as esperanças da plataforma com duas medidas: a redução drástica em seus preços e a decisão de permitir que os clientes a utilizassem para rodar os softwares que bem entendessem. Depois de assumir o comando da Microsoft, além de disponibilizar o Office em dispositivos móveis Apple e Android, Nadella fez o pacote adotar o modelo “freemium”: para o usuário doméstico (mas não para empresas), a versão básica não custa nada, mas a pessoa paga por serviços extras. Sob o comando de Nadella, a Microsoft está demonstrando flexibilidade também em outros aspectos, como a realização de negócios com concorrentes. Exemplo: usuários do Office 365, a versão online do pacote, agora podem salvar seus arquivos nos servidores da provedora de serviços em nuvem Box. “Antes eles nos tratavam como arqui-inimigos”, diz Aaron Levie, presidente da Box.

Nadella também tenta rejuvenescer a cultura interna da Microsoft, fazendo que ela fique mais parecida com a startup que era nos tempos das calças boca de sino e lapelas largas. Em vez de serem repreendidos, os funcionários agora são estimulados a testar suas ideias mais “doidas” num site aberto ao público chamado Garage. É uma maneira de pôr na rua versões preliminares de produtos desenvolvidos pela empresa, a fim de que os clientes possam experimentá-los, ajudando na detecção de eventuais problemas.

A Microsoft também adquiriu algumas startups jovens e cheias de futuro. Uma delas é a Mojang, criadora do popular jogo online Minecraft. Outra é a Acompli, cujo aplicativo de e-mail passou a se chamar Outlook, tornando-se o programa de e-mail da Microsoft para dispositivos móveis Apple e Android.

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Mas o maior feito de Nadella até o momento é ter dado à Microsoft, agora que a companhia entra em sua quinta década de existência, um objetivo coerente na vida. O executivo resume esse objetivo com dois lemas. Um: “antes de tudo, dispositivos móveis e nuvens”. Como é daí que virá o crescimento, todos os novos produtos têm de ser desenvolvidos para esses ambientes. Dois: “plataformas e produtividade”. O Windows ainda é uma plataforma importante, e o Office continua a ser um importante conjunto de ferramentas que impulsionam a produtividade. Mas o Azure é uma plataforma cada vez mais relevante e flexível. E, na nova leva de ferramentas que a empresa vem desenvolvendo para o incremento da produtividade, está o Cortana, um assistente pessoal inteligente bastante parecido com o Siri, da Apple, e o Google Now. O aplicativo já reconhece linguagem natural, responde perguntas e emite notificações. No futuro, deve antecipar um número cada vez maior de necessidades do usuário, reunindo, por exemplo, todos os documentos que é preciso levar para uma reunião.

Disputando talentos. Ainda que os analistas do setor elogiem Nadella pelo que ele fez até agora, restam algumas questões incômodas. Uma delas diz respeito à necessidade de atrair novos talentos. “A Microsoft perdeu muita gente boa”, explica Marco Iansiti, da Harvard Business School. Apesar de também ter ganho sangue novo com a aquisição de startups, a empresa terá de dar duro para não ficar para trás na disputa pela contratação dos melhores programadores. Outra questão problemática pode ser a qualidade dos softwares. No passado, a Microsoft se esforçou muito para provar aos clientes corporativos que seus programas eram confiáveis, diz Rob Helm, da Directions on Microsoft, uma empresa independente, especializada na divulgação de informações sobre produtos Microsoft. Agora que a empresa tenta operar como uma startup, lançando produtos mais cedo e com mais frequência, seus softwares correm o risco de perder confiabilidade.

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O futuro dos outros negócios da Microsoft também permanece em aberto. Analistas sugerem que eles sejam vendidos. O Bing parece a salvo. Depois de acumular bilhões em prejuízos, o mecanismo de buscas da companhia em breve se tornará lucrativo. Sem contar que também é importante fonte de informações para o Cortana e outros serviços. O console de games Xbox vem se recuperando das malfadas tentativas de transformá-lo numa espécie de centro de operações da sala de estar digital. Mas a aquisição da unidade de dispositivos móveis da Nokia, feita no ano passado, a fim de salvar a última grande fabricante de smartphones que usavam sistema operacional Windows, parece agora, depois das alterações na estratégia da empresa, ter sido um equívoco.

A maior questão diz respeito às finanças da Microsoft. Com a queda contínua nos preços e nas vendas dos computadores pessoais, as receitas geradas pelo Windows também são decrescentes. No quarto trimestre de 2014, a queda foi de 13% em relação ao mesmo período de 2013. Na comparação ano a ano, as vendas corporativas do serviço de computação em nuvem, incluindo o Office 365, mais que dobraram, projetando um faturamento anual de US$ 5,5 bilhões. Mas isso é só uma fração das receitas totais da empresa, e acredita-se que essa unidade de negócios ainda seja deficitária. Além do mais, diz Rick Sherlund, do banco de investimentos Nomura, não está claro ainda como a Microsoft vai fazer para que seus aplicativos mais recentes, como o Cortana, deem dinheiro. “Os modelos desses negócios ainda têm de ser inventados.”

É pouco provável que eles venham a se tornar um filão de ouro como o Windows e o Office, que ainda são responsáveis por 44% do faturamento e 58% dos lucros. A margem bruta do Office tradicional é de 90%; a do Office 365 atualmente é de apenas 53%. Em outras áreas dos serviços em nuvem, os lucros tendem a ser pequenos, dada a concorrência acirrada com Amazon, Google e, cada vez mais, IBM. Segundo estimativas recentes do Citigroup, a nuvem da Amazon deve estar operando com uma margem entre -2% e -3%. Em outras atividades, a Amazon já mostrou que sua estratégia de crescimento comporta dose elevada de tolerância a prejuízos.

Para as jovens e não tão jovens empresas de tecnologia que tentam tirar lições do declínio sofrido pela Microsoft ao chegar à meia-idade, o mais importante é notar que a empresa passou tempo demais cobrindo de mimos e proteção seu principal produto, coisa que a levou a ignorar ameaças que, com o passar dos anos, não podiam mais ser ignoradas. Gates foi o principal culpado disso. Ao sucede-lo, Ballmer conseguiu continuar extraindo ouro do Windows por mais tempo do que se esperava que fosse possível, mas também ele demorou demais para reagir à migração da informática para os dispositivos móveis e as nuvens. Agora Nadella tem de ser extremamente ágil para desfazer a impressão - predominante entre clientes, analistas e bons programadores - de que os melhores dias da empresa ficaram para trás.

©2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS THE ECONOMIST, TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O ARTIGO ORIGINAL, EM INGLÊS, PODE SER ENCONTRADO EM WWW.THEECONOMIST.COM

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