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MPF acusa fraude em processo de registro sindical

Órgão vai ajuizar ação contra cúpula do Ministério Público Federal, responsável pelo registro, por discrepância no tratamento de entidades

Foto do author Andreza Matais
Por Fabio Fabrini e Andreza Matais
Atualização:

BRASÍLIA - O Ministério Público Federal vai ajuizar nos próximos dias ação contra integrantes da cúpula do Ministério do Trabalho por supostas ilegalidades na liberação de sindicatos. Conforme investigação recém-concluída sobre o caso, à qual o ‘Estado’ teve acesso, o secretário das Relações do Trabalho, Carlos Cavalcante de Lacerda, e membros de sua equipe teriam manipulado processos de registro para favorecer entidades, em detrimento de outras. 

O MPF também avalia eventual medida contra possível tentativa da pasta de interferir na investigação. Numa reunião com a participação de alguns dos investigados, servidores foram previamente orientados sobre como se portar em depoimento ao procurador Federico Paiva, responsável pelo caso. Uma das orientações foi a de gravar o procurador no depoimento, além de economizar nas declarações, supostamente para evitar “pegadinhas” do investigador. “De repente, vem a vontade de falar uma coisinha a mais. Pode dar problema pra vocês”, comentou um dos presentes à reunião, conforme gravação obtida pelo Estado.

Reação: ministro Ronaldo Nogueira determinou a instauração de comissão de investigação Foto: Dida Sampaio/Estadão

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Na ação a ser ajuizada, o MPF sustenta que o ministério desrespeita a fila de protocolo, distribuição, análise e publicação de registros. De acordo com a investigação, a avaliação de pedidos deve seguir a ordem cronológica de entrada, o que não estaria ocorrendo.

O inquérito cita exemplo de um processo que tramitou em tempo recorde, sendo deferido em cerca de quatro meses, ante vários outros que, embora protocolados antes, ainda estão sem desfecho. Para a Procuradoria da República no Distrito Federal, há discrepância no tratamento dado às entidades.

Histórico. O sistema de concessão de registro de sindicatos é alvo de recorrentes denúncias. No governo de Dilma Rousseff, a suspeita de que haveria cobrança de propina para liberar o registro de entidades foi um dos motivos da queda do então ministro, Carlos Lupi (PDT-RJ), em 2011. Na gestão de Michel Temer, a pasta está sob o comando do PTB, partido do ministro Ronaldo Nogueira (RS), e do Solidariedade, cujo presidente, o deputado Paulinho Pereira da Silva (SP), controla a Força Sindical.

O MPF aponta também que a equipe de Lacerda descumpriu obrigação legal ao indeferir o registro de abertura do Sindicato Nacional dos Servidores Efetivos das Agências Reguladoras (Aner Sindical), pois a entidade atenderia às exigências para isso. A negativa, segundo a ação, contrariou um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), favorável à liberação.

A investigação conclui que houve “nítido favorecimento” à entidade concorrente, o Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação (Sinagências), já constituído, que continuou a ser o único representante da categoria, apto a arrecadar contribuições de seus filiados. Os servidores, contudo, alegam que uma decisão judicial impede o registro da Aner Sindical. 

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Além de Lacerda, a investigação conclui que o coordenador-geral de Registro Sindical, Leonardo Cabral e a chefe de Divisão de Registro Sindical, Renata Frias Pimentel, praticaram atos de improbidade administrativa. Outro lado. Procurado pelo Estado, o Ministério do Trabalho informou, em nota, que o ministro Ronaldo Nogueira, ao tomar conhecimento da existência de inquérito administrativo por parte do Ministério Público Federal, determinou a instauração imediata de comissão de investigação preliminar na Secretaria de Relações do Trabalho.

“A comissão tem como objetivo apurar possíveis irregularidades na concessão de registro sindical na Coordenação-Geral de Registro Sindical”, explicou a pasta, acrescentando que o prazo para o envio de um “relatório circunstanciado sobre a investigação realizada” venceu sexta-feira. “A partir da semana que vem, com o conhecimento do conteúdo da denúncia e investigação, o ministério terá um posicionamento”, acrescentou.

O Estado enviou questionamentos aos servidores, por meio da assessoria de imprensa do ministério, mas não houve resposta de cada um.

O coordenador-geral de Registro Sindical, Leonardo Cabral, negou as irregularidades atribuídas pelo MPF aos gestores do ministério. Ele explicou, em entrevista, que não existe lei que regulamente a distribuição processual e que houve mudanças na forma de tratar os pedidos enviados à pasta. Antes, todos entravam numa fila única, conforme a ordem de entrada. Com a troca de governo, a partir do fim do ano passado, eles passaram a ser distribuídos em cinco filas diferentes, de acordo com o tipo de solicitação (federação urbana, federação rural, alteração de estatuto urbano, alteração de estatuto rural e impugnação de decisões). Com isso, afirmou, o andamento de um processo passou a corresponder à velocidade de sua fila.

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O coordenador-geral justificou que uma decisão tomada em 2011 pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), já transitada em julgado, impede a concessão do registro à Aner Sindical. Segundo ele, a corte entendeu que o Sinagências é a única entidade com poderes de representação da categoria. “O ministério não pode ir de encontro a uma decisão judicial”, argumentou. O coordenador-geral diz que a Aner Sindical tenta há cerca de oito anos obter o registro, sem sucesso tanto na esfera administrativa quanto na judicial.

Sobre a reunião, ele afirmou que o objetivo não foi o de interferir nas investigações, mas o de prestar esclarecimentos a servidores que haviam sido intimados como testemunhas e oferecer auxílio jurídico. O advogado do Sinagências, Breno Valadares, afirmou que a entidade é a representante “única e legítima” dos servidores das agências por “diversos motivos”. “A carreira é uma só.” Ele explicou que o sindicato não recebe imposto sindical, mas apenas contribuições voluntárias. 

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