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Economia e políticas públicas

Opinião|Muita coisa torta

Documentos vão mapear distorções que travam o crescimento da produtividade

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Atualização:

Anos de eleições são propícios para que as mentes mais preocupadas com o futuro do País elaborem diagnósticos e propostas detalhados. É uma pena, entretanto, que na hora do “vamos ver” da campanha em si, tocada por marqueteiros, as discussões cultas e ponderadas sejam esquecidas em prol dos slogans superficiais e da troca de acusações e ataques abaixo da linha da cintura.

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O economista Marcos Lisboa, entretanto, não desiste. Em 2002, ele já tinha sido um dos coordenadores, junto com o prestigiado colega José Alexandre Scheinkman, da “Agenda Perdida”, inicialmente vinculada à campanha de Ciro Gomes. Vitorioso, Lula, por intermédio de Antonio Palocci, ministro da Fazenda, trouxe não só a “Agenda Perdida”, mas também Lisboa para o seu governo, e o conjunto de propostas de cunho ortodoxo e liberal esteve por trás do início muito bem sucedido da gestão petista.

Agora, a estratégia de Lisboa é um pouco diferente. Presidente do Insper, instituição de ensino superior e pesquisa sediada em São Paulo, o economista participa do projeto de elaboração de uma série de documentos batizada de Panorama Brasil. O Insper e a Oliver Wyman, empresa global de consultoria, se uniram na empreitada.

Além de Lisboa, a coordenação do Panorama Brasil está a cargo da economista Ana Carla Abrão, hoje na Oliver Wyman e ex-secretária do Tesouro de Goiás, e do economista Vinicius Carrasco, ex-diretor de Planejamento do BNDES e atualmente na “fintech” Stone Co.

O presidente do Insper explica que a série de documentos a ser produzida e divulgada – ontem houve o lançamento inicial do documento “Renda e produtividade nas últimas décadas”, elaborado por Flavio Machado, do Insper, com apoio dos coordenadores – faz diagnósticos, e não propostas específicas. Estas últimas, para Lisboa, “devem ficar a cargo dos políticos, e não dos técnicos”. Essa é uma diferença em relação à “Agenda Perdida”, mais propositiva.

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Na visão de Lisboa, o desenvolvimento socioeconômico relativo (comparado a outros países) do Brasil não se estagnou nas últimas décadas em razão de dois ou três grandes problemas. Na verdade, como ele diz, o Brasil tem “muita coisa torta” – uma infinidade de distorções institucionais que travam o crescimento da produtividade, mas que em grande número de casos são defendidas a ferro e fogo por grupos de interesse do “Brasil velho”.

Assim, são funcionários públicos na elite salarial do País que sabotam a reforma da Previdência; empresários que buscam proteção da competição internacional e regimes especiais para não pagar impostos ou a Previdência; associações de proteção ao consumidor aliadas com cartórios para torpedear o projeto de cadastro positivo, que aumentaria competição no mercado de crédito; juízes que flexibilizam por conta própria avanços legais que reforçaram a segurança de garantias de crédito e consequentemente derrubaram spreads e ampliaram as concessões; um novo projeto pelo qual fundos federais podem contornar a TLP (a nova taxa de juros do BNDES que vai zerar os subsídios implícitos) para investirem em infraestrutura em condições privilegiadas; e por aí vai.

Lisboa é capaz de falar eloquentemente por horas sobre situações e mais situações do tipo descrito acima. Carrasco e Ana Carla também enumeram e detalham distorções que destroem a produtividade brasileira pelo tempo que o ouvinte estiver disposto a ouvir essas deprimentes verdades.

A proposta do Panorama Brasil é reunir, mapear e sistematizar o conhecimento acadêmico sério – buscando os especialistas de cada área – dessa infinita miríade de distorções do funcionamento da sociedade e da economia no Brasil. Idealmente, os políticos e candidatos teriam esses documentos como base para o debate eleitoral e pós-eleitoral. Mas aí chegam os marqueteiros e, como se sabe, a história costuma ser bem diferente. 

COLUNISTA DO BROADCAST E CONSULTOR DO IBRE/FGV

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Opinião por Fernando Dantas
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