Publicidade

MULHERES ABREM O PRÓPRIO NEGÓCIO PARA CONCILIAR TRABALHO E MATERNIDADE

O empreendedorismo é uma opção para mães que buscam independência financeira e mais tempo com os filhos

Por Malena Oliveira
Atualização:

Vanessa de Oliveira deixou o emprego dois meses depois de voltar da licença-maternidade. Como precisava fazer viagens e trabalhar por várias horas além do expediente, inclusive nos fins de semana, optou pela pausa na carreira para dar mais atenção à filha Giovanna. Alguns meses depois, encontrou uma alternativa para conciliar maternidade e trabalho: abriu o próprio negócio. Hoje, com Giovanna completando 5 anos, ela fatura R$ 800 mil por mês com publicidade para sacos de pão.

PUBLICIDADE

Assim como para Vanessa, o empreendedorismo se tornou uma alternativa bastante atraente às mulheres após o nascimento dos filhos. Na falta de políticas que flexibilizem a rotina tradicional de trabalho nas companhias, investir na própria empresa é uma saída que pode até ser mais rentável do que mudar de emprego. 

"Mães que tiveram filhos recentemente, ou que já têm filhos mais crescidos, veem no mundo dos negócios a chance de poder participar mais ativamente da criação sem perder a independência financeira", diz o presidente do Sebrae, Luiz Barretto. 

Eu cheguei a levar minha filha para o canteiro de obras, pois não tinha com quem deixá-la, Vanessa de Oliveira

Quando Giovanna nasceu, Vanessa trabalhava há dois anos na área de comunicação de uma construtora que prestava serviços para a Petrobrás no interior de São Paulo. "Eu cheguei a levar minha filha para o canteiro de obras, pois não tinha com quem deixá-la", conta. Casada na época, ela decidiu fazer uma pausa após enfrentar as cobranças da chefia para estar mais presente no dia a dia da empresa. 

Ela conta que, quando decidiu começar a empreender, teve uma ideia de negócio em parceria com duas amigas que tinham filhos da mesma idade de Giovanna. Entretanto, elas desistiram da sociedade. Vanessa fala sobre as dificuldades no início: "O investimento inicial foi de R$ 600 com material de papelaria para esboçar a ideia para os clientes, pois eu não tinha dinheiro para investir. Meu irmão passou a morar no sofá de casa e criou toda a parte gráfica", relembra. "Eu virava noites trabalhando e viajava muito para apresentar o produto. Com o dinheiro do primeiro contrato, alugamos um escritório e começamos o negócio de fato", ela completa.

 Foto: Vanessa fundou a Mídia Pane em 2010 (Foto: Arquivo Pessoal)

Mesmo com a ajuda do pai da criança e de familiares, há mulheres que preferem fazer pausas mais longas do que o período da licença-maternidade (quatro meses garantidos por lei, que geralmente são acrescidos de mais um mês de férias). 

Especialista em Economia de Gênero, Regina Madalozzo, do Insper, sugere um incentivo para que esses pais ajudem com os cuidados nos primeiros dias de vida dos bebês: "Uma extensão da licença-paternidade também possibilitaria a maior permanência das mães no mercado de trabalho. Enquanto essa responsabilidade não for dividida por igual, será muito difícil para as mulheres terem o mesmo tratamento que os homens." 

Publicidade

Atualmente, o brasileiro que se torna pai tem direito a cinco dias de descanso remunerado. Tramita no Congresso um projeto do senador Alvaro Dias (PSDB-PR) para ampliar o período de licença-paternidade para 30 dias e o de licença-maternidade para 180 dias (PEC 41/2015). Funcionários públicos de algumas cidades brasileiras já têm direito à extensão, que varia de 15 a 30 dias dependendo do município.

Flexibilização. Companhias atentas a esses pontos investem em programas como creches corporativas, licença-maternidade estendida e horários flexíveis. "É estratégico para algumas empresas reter esses talentos, tanto por terem um custo muito maior para treinar um novo profissional (no caso dos cargos de gerência ou chefia) quanto pela imagem que elas querem transmitir para seu público", diz o gerente sênior da recrutadora Robert Half, Caio Arnaes. 

Porém, esses esforços não bastam. Pesquisa de 2013 da consultoria apontou que, entre os 100 gestores de RH entrevistados no País, metade constatou que o porcentual de mulheres que continua trabalhando após o período de licença está entre 25% e 49%.

Depois que tive minha filha, aprendi a importância de delegar funções, Patrícia Travassos

Autora do livro "Minha Mãe é um Negócio", a jornalista Patrícia Travassos pesquisou as estratégias de 200 mães empreendedoras em 2013. Ela, que teve sua primeira filha há um mês, estudou como a maternidade influencia na rotina de quem tem a própria empresa. "Mães que gerenciam um negócio são, em geral, mais humanas e se preocupam com o bem-estar de seus funcionários", destaca, além de características como visão de longo prazo e habilidade de liderança. Por outro lado, essas mulheres também são centralizadoras, o que pode atrapalhar em certas situações: "Depois que me tive minha filha, aprendi a importância de delegar funções", diz Patrícia, que é dona de uma produtora.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

O universo materno também é inspiração para criar novas soluções."Muitas mães empreendedoras desenvolvem produtos voltados para crianças. Uma de nossas entrevistadas não gostava do estilo das bolsas que usava para sair pois, como tinha que carregar muitas coisas, usava a mochila esportiva do marido. Ela, então, desenhou um modelo de bolsa com compartimentos para guardar comida e roupa suja, que ela chamou de 'Bebêchila'", Patrícia dá o exemplo.

Um fator decisivo para o rumo dos negócios é o planejamento, que Patrícia considera como uma espécie de pré-natal: ainda que tudo aponte para algo positivo, sempre é preciso ter em mente que o cenário pode mudar. "É difícil a decisão de investir tudo em um negócio que não se sabe se vai dar certo, e nem todas as mulheres têm uma boa reserva financeira", pondera. "Antes de abrir a empresa, é fundamental fazer um estudo de mercado e da concorrência para aumentar as chances de sucesso." 

 Foto: Patrícia Travassos com sua primeira filha: mãe e empreendedora na prática (Foto: Arquivo Pessoal)

De volta à ativa. Mãe de dois filhos, Carmen Jurado é casada com um executivo da Goodyear que trabalha em um país diferente a cada dois anos: o Brasil é o seu quinto destino. Durante as gestações, ela fez mestrado e trabalhou em empresas na Áustria e na França, mas acabou deixando a carreira pelos cuidados com as crianças e pelas mudanças constantes. "A solução é criar uma empresa que esteja onde eu estiver", explica Carmen. 

Publicidade

A solução é criar uma empresa que esteja onde eu estiver, Carmen Jurado

Para ela, empreender pela internet é o caminho mais prático. "Se tenho que fazer visitas a um cliente uma vez por ano, por exemplo, não há problema, mas a base do negócio tem que ser online", explica. Diretor da consultoria Stato, Hugo Capobianco auxilia Carmen em seus planos: "Estamos desenhando para ela um modelo de negócio que pode ser tocado aqui ou no Canadá daqui a dois anos, por exemplo". Por ano, a Stato atende no Brasil entre 15 e 25 mulheres em situação semelhante.

Ainda que não diretamente relacionado ao nascimento dos filhos, o empreendedorismo cresceu especialmente entre as mulheres no período de 2002 a 2012, de acordo com pesquisa do Sebrae, produzida em parceria com o Departamento Intersindical de Estatísticas Socioeconômicas (Dieese). 

O relatório aponta que o número de mulheres empregadoras passou de 878 mil para 1,04 milhão em dez anos, um crescimento de 18,9%. No caso dos homens, apesar de o número já ser bem maior que o de mulheres em 2002 (2,5 milhões) o avanço no mesmo período foi de 2,96% (em 2012, o número estava em 2,57 milhões). A maioria dos empregadores, tanto homens quanto mulheres, têm idade entre 40 e 64 anos. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.