Na rota da soja, caos logístico continua, mas muda de lugar em 2018

De acordo com presidente da Câmara Temática de Infraestrutura e Logística do Agronegócio do Ministério da Agricultura, preocupação agora é recuperar as áreas já asfaltadas

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Por , Daniel Teixeira e enviados especiais
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SINOP (MATO GROSSO) - São 7h30. No acostamento da BR-163, em Novo Progresso (PA), o tema de uma roda de conversa de um grupo de caminhoneiros nem é mais sobre a situação da rodovia. Eles tentam mudar de assunto. Todos carregam soja e quase se conformam em perder ao menos um dia local. Passam horas e até dias em uma fila que, recentemente, chegou a 20 quilômetros. São vítimas do gargalo logístico que anualmente, pelo menos até agora, acontece na principal rota e escoamento de grãos no Norte do País.

Raimundo Nonato Ferreira, 63 anos, caminhoneiro, espalha a soja em seu caminhão enquanto colheitadeira carrega a caçamba àbeira da BR-163 no município de Itaúba, interior de Mato Grosso. Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

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No início do comboio, soldados do Exército controlam o fluxo e liberam entre 100 e 250 caminhões por vez. Não há uma frequência para que caminhões de soja sigam viagem. Carros, ônibus, caminhões com animais vivos e outros alimentos passam direto. "É uma vergonha. Um dia parado para passar esse trecho. Muita gente passa mal. E vamos encontrar problemas mais adiante", diz Aparecido Nunes.

Caminhoneiro há quase 40 anos, Nunes deixou Três Lagoas (MS) dia 5 de janeiro para "puxar" soja pela BR-163 no trecho crítico da rodovia, entre Sinop (MT) e o terminal de transbordo de grãos de Miritituba, município de Itaituba (PA). Ele e seus colegas buscam um frete que custa o dobro em relação a um trajeto semelhante em outras regiões, preço que se paga para enfrentar os desafios do percurso. Nessa viagem, Nunes tem a companhia de dois filhos, que encontraram o pai no meio do caminho e aproveitaram para "visitá-lo".

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Na semana passada a reportagem do Broadcast Agro percorreu a BR-163, ida e volta a partir de Sinop (MT) até Itaituba (PA), num total de 2 mil quilômetros. Um trajeto de contrastes. Trechos de asfalto bem conservado, como o da fila de caminhões encontrada na segunda-feira (26), logo são substituídos por uma rodovia de terra. As filas e os gargalos mudam de lugar na rodovia de acordo com um planejamento informal feito diariamente entre o Exército e tradings exportadoras sediadas em Itaituba, a fim de controlar o fluxo de descarregamento dos grãos em seus terminais.

Liberados do bloqueio em Novo Progresso rumo ao Norte, os caminhões percorrem mais 65 quilômetros até a serra de Moraes Almeida (PA). No trecho de terra, outra parada, onde o Exército realiza obras de rebaixamento do morro, controla o fluxo de veículos e reboca os que não conseguem ultrapassar a terra, as pedras e, quando chove, o barro. Na quarta-feira, 28, a fila de dois dias antes se deslocou de Novo Progresso para lá, em novo reajuste do comboio, programado pelo Exército. Agora eram 15 quilômetros de caminhões parados, nos dois sentidos da BR-163.

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Poderia ser pior. No ano passado, nas proximidades de Bela Vista do Caracol (PA), que fica 200 quilômetros ao norte de Novo Progresso e a 135 quilômetros após Moraes Almeida, um atoleiro parou a BR-163. Nas proximidades de Bela Vista, 46 quilômetros de estrada de terra foram tomados por caminhões que não conseguiram transpor o barro. O congestionamento foi multiplicado, superou 100 quilômetros e veículos ficaram até 20 dias parados por lá em 2017.

Maria Cardoso Santos, proprietária do Santarém Palace, em Bela Vista do Caracol, conta que, à época, pessoas dormiam "esparramadas" no lobby do hotel. "O nosso estacionamento lotou, com pessoas dentro de carros, o pátio do posto aqui em frente não tinha lugar nem para transitar e tivemos desabastecimento na vila", disse. "Mas todos sobreviveram, né?" Hoje o trecho ainda é de terra, mas uma camada de rochas e cascalho foi aplicada emergencialmente e acabou com o atoleiro. O fluxo de caminhões nesse trecho é normal, ajudado pelos bloqueios e retenções feitos adiante. "O povo que cuida da rodovia é despreocupado", criticou Maria.

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Cerca de 650 caminhões, a maioria com 25 metros de comprimento e 40 toneladas de carga de soja, trafegam diariamente pela BR-163 na rota entre o norte de Mato Grosso e o terminal de Miritituba. Como uma viagem demora, em média, cinco dias, a estimativa é de que mais de 3 mil veículos estejam rodando pela rodovia o ano inteiro. A partir de junho, a carga de soja é trocada pela de milho.

O presidente da Câmara Temática de Infraestrutura e Logística do Agronegócio do Ministério da Agricultura e diretor-executivo do Movimento Pró-Logística, comandado pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), Edeon Vaz Ferreira, avalia que a situação em 2018 é um pouco melhor do que a do ano passado. Ele calcula que a espera é de, no máximo, 18 horas em filas. "Há a presença do Exército, da polícia rodoviária e do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) e os trechos críticos devem estar totalmente pavimentados até 2020."

Segundo Ferreira, a preocupação agora é recuperar as áreas já asfaltadas. Exemplo disso são os 65 quilômetros da BR-163 antes de Novo Progresso, sentido Norte, um trecho pior do que muitos que ainda estão sem asfalto. Enquanto os caminhoneiros sofrem, outros lucram com esses buracos.

Borracheiro no povoado de Santa Júlia, João Melo e seu funcionário, Zineu da Rocha, o "Pica-Pau", não podem reclamar. Sempre há serviços de reparos em pneus e rodas de caminhões danificados quilômetros antes. Na borracharia, uma placa retangular de isopor está cravada com as lembranças da BR-163. A maioria é de parafusos perdidos por caminhões, colhidos por pneus de outros veículos e retirados por Rocha e "Pica-Pau".

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Os gargalos logísticos da BR-163 levaram a soja e a infraestrutura de armazenamento cada vez mais para perto de Miritituba. A Tapajós Agro iniciou a operação, este ano, de um primeiro silo de armazenagem do grão, às margens da rodovia, em uma fazenda no município de Trairão (PA), a apenas 150 quilômetros do terminal. A capacidade de armazenagem é de 120 mil sacas (de 60 quilos) ou 7,2 mil toneladas do grão. Em 2019, a agropecuária deve cultivar mil hectares com soja. "Estamos muito perto de Miritituba e a soja vai ser a prioridade", disse Rodrigo Dotto, gerente de Operações da Tapajós.

No terminal paraense estão cinco operações de transbordo, onde os grãos são colocados em barcaças para uma viagem de mais mil quilômetros até o Porto de Barcarena (PA), de onde é feita a exportação. A Transportes Bertolini, que opera um terminal flutuante em Miritituba, estima enviar 1,5 milhão de toneladas de soja e milho este ano em suas barcaças, 15% a mais que em 2017. "O volume vai ser maior do que o do ano passado, mesmo com o estresse na (BR-163)", explicou Denilson Alves, gerente operacional do terminal.

A operadora faz a logística de escoamento de grãos do terminal para as tradings Cargill, ADM e Glencore. Por dia, descarrega, em média, 150 caminhões. Antes de chegarem ao local, os veículos passam, além das retenções na estrada, por uma triagem em áreas no entorno de Miritituba, onde é feita a classificação dos grãos. O desembarque no terminal demora cerca de 15 minutos, mais um contraste com os dias perdidos na viagem.

"Tá difícil trabalhar, ninguém olha para a gente", disse Moacir Otávio Maronese. O caminhoneiro saiu exatamente do mesmo local da reportagem, em Sinop, e chegou no mesmo horário. Mas viajou cinco dias para percorrer os mesmos 1 mil quilômetros feitos em dois dias pelo Broadcast Agro.

O terminal de Miritituba tem capacidade de escoar 16,5 milhões de toneladas de grãos. Com o caos logístico do ano passado, 7 milhões de toneladas foram embarcadas. Este ano, o volume crescerá 57%, para 11 milhões de toneladas e a capacidade máxima só deve ser atingida quando a BR-163 estiver transitável.

No começo do percurso, em Itaúba (MT), perto de Sinop, o frentista Aílton Eva Rodrigues, morador há mais de 40 anos da região, resume o que se tornou a rodovia após o início do escoamento da soja pelo terminal paraense e com a fiscalização mais rígida contra o desmatamento. "A BR-163 era uma estrada morta. Antes eram poucos caminhões com madeira. Agora, 99% desses que você está vendo são carregados com soja", disse. "A rodovia reviveu."

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