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‘Não’ desafia Merkel a dar dimensão política à crise grega

Chanceler alemã enfrentará uma série de desafios, como manter a unidade europeia e a moeda comum

Por Allison Smale e Andrew Higgins
Atualização:

BERLIM - Como chanceler da Alemanha, Angela Merkel governa um país que preza a retidão fiscal e o respeito às regras e que, depois de fornecer dezenas de bilhões a título de socorro financeiro durante cinco anos, tem manifestado poucas simpatias pela demanda da Grécia por mais ajuda financeira. Como líder de fato da Europa, Angela Merkel enfrenta uma série de responsabilidades, a começar pela manutenção da unidade europeia em geral e um euro íntegro em particular. 

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Em consequência do voto majoritário dos gregos no domingo, rejeitando as condições de um novo pacote de ajuda oferecido por seus credores, Merkel vê-se mais pressionada do que nunca para resolver esse choque de sensibilidades - desafio que irá testar sua liderança e ajudará a determinar a direção que a Europa tomará.

“A questão assumiu uma dimensão política que ultrapassa e muito a econômica”, afirmou Jan Techau, diretor do Carnegie Europe, grupo de pesquisa com sede em Bruxelas. “Agora estão envolvidos todos os princípios básicos da integração europeia - o equilíbrio entre o político e o econômico, entre severidade e solidariedade, se a Europa ainda é exemplo para o mundo em termos de solução pacífica, se o flanco sudeste se sustenta”. 

Merkel se reuniu nesta segunda-feiraem Paris com Hollande Foto: AFP

A grande pergunta, segundo Techau, é a seguinte: “Conseguirá Merkel orientar a Europa no sentido de abandonar uma visão política que ultrapassa as meras considerações econômicas?” Sua resposta inicial na segunda-feira foi cautelosa, com poucas indicações sobre o preço que ela acha que a Europa está disposta a pagar para manter a Grécia integrada. 

A chanceler alemã conversou com o primeiro ministro grego Alexis Tsipras na manhã desta segunda-feira e teve um encontro mais tarde com o presidente François Hollande, que se mostrou muito mais disposto do que ela a um compromisso com a Grécia. 

Falando em Paris na noite de domingo no Palácio do Eliseu, Merkel e Hollande afirmaram, cada um por si, que a Europa está aberta a negociações com Atenas, mas a líder alemã adotou um tom mais duro. Disse que do mesmo modo que os eleitores gregos têm direito de fazer ouvir sua voz, as opiniões das outras democracias na União Europeia têm de ser respeitadas. Acrescentou que a Europa ofereceu uma proposta de ajuda “generosa” - rejeitada pelos eleitores gregos no domingo - e que “estamos agora aguardando propostas específicas do primeiro ministro grego para permitir que o país retorne à prosperidade”. Seu porta-voz, Steffen Seibert, disse na manhã desta segunda-feira em Berlim que não há “nenhuma base para novas discussões com a Grécia, pelo menos enquanto Tsipras não apresentar nova proposta. 

O impasse resultante do referendo grego levou o jornal Bild, o mais popular da Alemanha e feroz crítico do que entende como comportamento perdulário dos gregos, a declarar que o voto do domingo foi “a maior derrota” da chanceler alemã. 

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Seibert afirmou que o voto não foi uma derrota e simplesmente “esclareceu” a posição grega. Não sugeriu que a votação abalou o compromisso da Alemanha para com as políticas de austeridade que, segundo ele, funcionaram muito bem na Espanha, em Portugal e na Irlanda. “Todas as medidas de austeridade constituíram um sucesso político que alcançamos juntos. E ajudaram a colocar a Europa numa posição mais segura e melhor”. É especialmente para Merkel que todos se voltam em busca de orientação num momento em que a Europa enfrenta uma série de desafios além da Grécia. 

A Grã-Bretanha planeja um referendo sobre a adesão à União Europeia, com o risco de uma saída de um dos membros mais importantes do bloco. O ressurgimento da Rússia como ameaça à segurança expôs as desavenças dentro da Europa sobre o quão agressivamente enfrentar Moscou. Não existe consenso sobre o problema dos imigrantes que chegam ao sul da Europa - em número cada vez maior - vindos da África e do Oriente Médio, preocupação que cresceu ainda mais com a perspectiva da Grécia mergulhar completamente numa crise.

Movimentos populistas e nacionalistas vêm mudando a política tradicional em muitos países, enfatizando o debate quanto a se a união se distanciou das preocupações dos seus cidadãos e se tornou até antidemocrática.  Merkel e outros líderes consideram este fenômeno uma ameaça não só à sua própria sorte política, mas também às décadas de trabalho duro desde o final da 2a.Guerra Mundial para livrar a Europa dos seus velhos demônios e resolver disputas entre nações com os mecanismos inadequados da União Europeia. Esta busca constante de um consenso conduz à confusão e impede uma liderança decisiva por parte da Alemanha ou qualquer outro país e pode ficar à mostra novamente na terça-feira quando os líderes nacionais se reunirão para tentar debater uma estratégia para o problema grego./ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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