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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Nós e a dança dos preços

A sensação não é de inflação tão baixa porque, na prática, o custo de vida calculado pelo IBGE não existe, cada família consome de um jeito

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Os números não mentem, a inflação mergulha mês a mês, mas continua difícil convencer o consumidor. Quando volta do supermercado, muita gente balança a cabeça, carregada de incredulidade: “Os jornais dizem que a inflação caiu, mas, no meu bolso, não baixou, os preços continuam subindo, minha vida fica todos os meses mais cara”. Pergunta: tem cabimento essa percepção? Como tanta gente pode estar enganada? 

Com inflação mais baixa,o consumidor mantém melhor a memória dos preços: a cada chegada à prateleira de supermercado Foto: Hélvio Romero / Estadão

Primeiramente, os tais números. Na última sexta-feira, o IBGE, o organismo encarregado dos levantamentos, mostrou que, em novembro, o IPCA (medidor da inflação) avançou abaixo do esperado: 0,28%. Os analistas, consultores, gente do mercado haviam fechado os prognósticos mais acima, entre 0,31% e 0,46%. No período de 12 meses terminado em novembro, o avanço do IPCA ficou nos 2,80% e no acumulado no ano, nos 2,50%. Para que, em 2017, passe dos 3,0%, a inflação de dezembro terá de ser maior do que 0,49%, o que é muito improvável. O ano deve fechar com uma inflação abaixo do piso da meta, que é de 4,5% menos a área de escape, de 1,5%.

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Mas por que está tão espalhada a sensação de que a inflação real é mais alta? Não cabem suspeitas sobre a apuração do IBGE. Pode acontecer algum engano nos levantamentos, mas, se houver, no mês seguinte virá a correção à medida que os novos preços forem pesquisados. Além disso, o IBGE não é o único a fazer esse tipo de pesquisa. É verdade, os universos não coincidem. A Fipe, por exemplo, pesquisa apenas o custo de vida da classe média e, ainda assim, apenas na Grande São Paulo.O Dieese foca a classe trabalhadora, também em São Paulo. E a Fundação Getúlio Vargas trabalha com outro mix, que abrange produtores e consumidores em só sete capitais. Mas os resultados são consistentes e convergentes entre si.

Um dos fatores que devem ter contribuído para a percepção de inflação em alta foi a disparada dos preços do botijão de gás (14,75% em 11 meses); o avanço da conta de luz (13,87%); e a perspectiva de alta forte nas mensalidades das escolas particulares (coisa de 9,0% em janeiro). Mas os custos de casa e comida, que têm peso forte na cesta de consumo, caíram ( -1,51% e -2,40%, respectivamente) mais do que o necessário para compensar essas e outras altas.

O que deve ser acrescentado é que, na prática, o custo de vida calculado pelo IBGE não existe, porque corresponde a uma média e a família média não existe. A rigor, cada pessoa tem custo de vida diferente da outra, porque as cestas de consumo não coincidem.

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Família com bebê em casa, por exemplo, consome mais leite em pó, fraldas, essas coisas. Os coroas de casa gastam mais com remédios, tratamento de saúde e menos com condução. Os intelectuais compram mais livros; e quem viaja muito tem mais despesa com passagens aéreas, hospedagem e tal.

Isso assim considerado, na média, o custo de vida está bem mais baixo do que há um ano, o que planta consequências também díspares, caso a caso. Como já foi examinado nesta Coluna, com a baixa da inflação e dos juros, ficou mais difícil administrar um patrimônio familiar. Proprietários de imóveis que vivem de aluguel, por exemplo, enfrentam, pela primeira vez em muitos anos, reajustes negativos. Também ficou difícil compor uma carteira de títulos de renda fixa que proporcionem rentabilidade superior a 10% ao ano. E, como prestadores de serviços estão mal acostumados a reajustar tudo muito para cima, renegociação de contrato passou a dar mais trabalho.

Porém, no geral, viver com uma inflação mais baixa traz inúmeras vantagens. O salário ficou mais preservado, o consumidor mantém melhor a memória dos preços: a cada chegada à prateleira de supermercado ficou mais fácil lembrar de qual foi o último preço pago no sabão em pó ou no quilo de tomate. 

Mas falta muito para que os benefícios da inflação mais baixa sejam incorporados ao dia a dia das pessoas. Falta, por exemplo, cair o custo do crédito.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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