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O acordo dos vencidos

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Por Gilles Lapouge
Atualização:

Aleluia! A Grécia está salva. A Europa também, assim como a amizade franco-alemã. E como estariam, no dia seguinte, as cabeças de todos esses vencedores? Umas cabeças estranhas: olheiras fundas, braços arrebentados, narizes quebrados, e todos movimentando-se de cadeiras de rodas. Na realidade, todos foram vencedores, mas, o sentido das palavras na zona do euro, como no esperanto de Orwell (1984), migrou: vencedor, no esperanto europeu, significa vencido. E alguns mais vencedores do que os outros. Por exemplo, Tsipras, o petulante primeiro-ministro grego de extrema-esquerda, emproado como um falcão real, que proibira a troica (os fornecedores da ajuda à Grécia - FMI, BCE e a Comissão Europeia) de pôr novamente os pés em Atenas? Bem, aí está ele, Tsipras, o cavaleiro destemido, com a corda no pescoço, de camisa branca, pedindo à troica permissão para falar, de se mexer e até de piscar. A reforma das pensões, a reforma fiscal, tudo o que Atenas havia repudiado no entusiasmo do plebiscito de 5 de julho foi reintroduzido à força, enfiado goela abaixo do povo grego. Moral da história: a fanfarronice é perigosa, salvo quando o fanfarrão tem punhos fortes. Em segundo lugar: atitudes belicosas e tresloucadas para demolir a terrível economia liberal ameaçam perigosamente atirar o país nos braços do "mercado". Quem foi o vencedor então? Madame Merkel? Verdade seja dita, ela dominou do início ao fim as insanas jornadas de Bruxelas e, no final, obteve que a Grécia lhe obedecesse. Mas, que Grécia? Uma Grécia sem dentes nem garras, de tal maneira enfraquecida que ninguém acredita que a poção que tomou possa devolver-lhe a saúde. Hollande, então? Sem dúvida, o francês trabalhou em todas as frentes. Hoje, ele se congratula consigo mesmo. Conta que salvou a Grécia, restabeleceu a confiança entre Paris e Berlim, ganhou seus galões de "Grande Mestre Internacional". Como parece que isso lhe agrada particularmente, e como ele é um homem muito gentil, concordaremos com ele. Resta um último vencedor. A Europa, ou antes a zona do euro. Há três dias, temíamos uma 'Grexit' (a saída da Grécia do euro) que arrebentaria com a zona do euro. Entretanto, não podemos deixar de considerar alguns detalhes. O primeiro é que não há qualquer dispositivo jurídico que permita que um país da Europa saia do euro ou seja escorraçado do euro. Mas, mesmo que esse argumento fosse aceitável, que show infligiu a zona do euro nessas quarenta e oito horas! As TVs de cada um dos 27 países exibiram um espetáculo interminável, equidistante do grotesco e do alucinante. E nem uma voz se levantou para aproveitar dessa novela da catástrofe para propor que se reescrevesse a Europa, se repensasse o euro, se reconhecesse que a Europa é uma colcha de retalhos, em que foram reunidos animais disparatados, sem afinidade, incompatíveis, comerciantes finlandeses como lobos, alemães majestosos como leões envelhecidos, gregos como raposas que estão perdendo o pelo, franceses como... Os franceses como o quê? Como absolutamente nada. / Tradução de Anna Capovilla

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