PUBLICIDADE

O Brasil na encruzilhada

Tentativa de ressuscitar o modelo nacional desenvolvimentista pode colocar em risco continuidade [br]do processo de crescimento econômico do País

Por Pedro Cavalcanti Ferreira e Arminio Fraga Neto
Atualização:

O Brasil vive um bom momento de crescimento, a um ritmo de cerca de 4% ao ano nos últimos anos. Mas cabe avaliar se esse processo vai ter continuidade, nos levando a um produto per capita semelhante ao dos países mais avançados, ou se vamos repetir a experiência de 1950 a 1980, quando acabamos batendo num teto e nos espatifando na Década Perdida.Em 1950, o produto per capita brasileiro era de cerca de 12% do produto per capita americano. Em 1980, no ápice do milagre, nossa produtividade alcança 24% da americana. Desde então, nosso produto relativo caiu continuamente, chegando a 16% na década de 90. Desse ponto em diante, o País volta a crescer de forma contínua, atingindo hoje algo em torno de 20% do produto per capita americano, sem dúvida um avanço, mas ainda modesto.Aqueles mais nostálgicos dos tempos do milagre econômico tendem a apontar as políticas nacional desenvolvimentistas adotadas desde a década de 50 como a causa principal de nosso crescimento acelerado. Nesse modelo, o Estado ocupa papel central na economia, tanto como produtor direto quanto como indutor de investimentos privados via coordenação e incentivos fiscais e tributários. Há uma articulação entre interesses públicos e privados em setores entendidos como estratégicos e fortes gastos em infraestrutura e formação de capital por empresas estatais. Mais ainda, a produção nacional é protegida da concorrência internacional através de barreiras comerciais e outras. Há em curso em nosso País, principalmente a partir de 2008, uma tentativa de ressuscitar esse modelo. Isso pode ser visto nas largas transferências do Tesouro para o BNDES, que hoje financia uma fração crescente dos investimentos privados a uma taxa de juros muito abaixo do mercado. Isso pode ser visto nas mudanças no marco regulatório do petróleo, com a Petrobrás assumindo um papel ainda maior na prospecção e investimentos do setor (note ainda o alto porcentual de compras locais da estatal, o que não leva em conta inteiramente diferencial de custos). Pode ser visto também na acelerada expansão do crédito por parte dos bancos públicos. De uma maneira ou de outra, aumenta-se a participação do Estado em diversos setores da economia, ao mesmo tempo em que se implanta e aumenta a proteção e os subsídios para setores e empresas da iniciativa privada.A crise de 2008 deu o estofo ou argumento ideológico para a reação nacional desenvolvimentista. Ela seria o sintoma claro da falência do modelo neoliberal e indicação da necessidade de uma presença maior do Estado. Afinal, deu certo até o final dos anos 70, por que não daria agora?Um problema é que, o que deu certo até 1980 também foi responsável por grande parte dos desequilíbrios e problemas posteriores. Mais ainda, deu certo em termos de crescimento, mas deu errado em termos sociais. Isso pode ser percebido pela péssima distribuição de renda que esse modelo nos legou, além das altas taxas de mortalidade infantil, a baixíssima escolaridade, o alto analfabetismo e índices de pobreza e indigência muito acima do que se esperaria de uma país com nosso crescimento e renda per capita. Em certo sentido, nada além do esperado de um modelo que privilegiava o investimento em capital físico em detrimento aos gastos em capital humano e educação.A dimensão social, atualmente, está bem encaminhada. A pobreza vem caindo há vários anos de forma estável, a desigualdade de renda caiu para os níveis mais baixos desde 1960 e a renda de parcelas geralmente excluídas dos benefícios do crescimento, como os negros e as mulheres, vem crescendo a taxas chinesas. Há vários fatores por trás disso, destacando-se a estabilidade macroeconômica (que protege os mais pobres), a expansão da educação e uma agressiva política social ao longo dos últimos 16 anos.Outro problema diz respeito ao próprio crescimento. Hoje sabemos que, na fase final do Milagre, os indicadores de produtividade (em queda) já apontavam um certo esgotamento do modelo. Faltou justamente ênfase em produtividade e educação. Ao mesmo tempo, a tentativa de manutenção de taxas aceleradas de crescimento começava a pressionar a inflação e o balanço de pagamentos, um sinal adicional de esgotamento. No fim do Milagre, a incapacidade (ou falta de vontade política) do governo em ajustar a economia após inúmeros choques externos - ao contrário, o governo acelerou investimentos - e a extensão e a intensificação da proteção comercial explicam grande parte de nossa estagnação econômica e queda da produtividade posterior.As semelhanças com o momento atual não são pequenas: passada a crise econômica que justificou aumento anticíclico dos gastos, há grande resistência ao ajuste por parte de vários setores do governo e da sociedade. Há também enorme pressão por medidas protecionistas por parte de grupos que se sentem prejudicados pela concorrência chinesa e pela taxa de câmbio valorizada. Alguns sinais amarelos já são visíveis. A taxa de inflação se aproxima do teto da meta de inflação e, fora os preços administrados, a alta de preços é generalizada e atinge até mesmo o setor de serviços. O saldo em conta corrente se reduziu em mais de 4 pontos do PIB, apesar de um ganho de 40% na relação entre preços médios de exportação e importação.Em boa parte, essas tensões espelham desafios fundamentais que se colocam ao País. No topo da lista está a frustrante dificuldade em se aumentar a taxa de investimento brasileira, que vem evoluindo lentamente para os atuais 18,4% do PIB, apesar dos esforços e subsídios do BNDES. Trata-se talvez da maior frustração econômica do governo Lula, que, com bom senso, reduziu significativamente o risco político do País, mas assim mesmo não conseguiu mobilizar nossos "espíritos animais". A nosso ver, a explicação para esse fenômeno está no par ideologia (de raízes nacional desenvolvimentistas) e dificuldades de execução (enraizadas em um Estado loteado e ineficiente).Além da baixa taxa de investimento, o Brasil vive hoje um início de crise no mercado de trabalho. A crise não é a tradicional e terrível falta de emprego, mas sim a falta de trabalho qualificado, em todas as faixas. Uma comparação com a Coreia pode ser útil. Nos últimos 40 anos, a Coreia foi de uma renda per capita 30% inferior à nossa para um nível hoje 3 vezes maior! Isso foi possível porque a Coreia investiu muito mais e educou mais e melhor do que nós. A escolaridade média subiu de 4,3 anos para cerca de 13 anos (igual à americana), enquanto que a nossa foi de 2 anos para em torno de 7 anos. Além disso, a qualidade da educação coreana é excelente, enquanto que aqui ela é, na média, sofrível. Uma resposta mais eficaz aqui é urgente, nas três esferas de governo.O Brasil está, portanto, diante de uma encruzilhada. Do jeito que as coisas vão, parecemos caminhar para uma repetição do modelo nacional desenvolvimentista, mas com uma taxa de investimento inferior à versão original. Em que pese o maior foco atual no social, não custa lembrar que essa opção foi não só excludente socialmente, como gerou uma série de distorções que provocaram a estagnação posterior. Podemos ter alguns anos de vacas gordas, mas estamos fadados a parar longe de completar a convergência para os melhores padrões globais.Não existe uma única alternativa a esse caminho, mas alguns pontos são essenciais. Como bem indica a Coreia, o Brasil precisa investir e educar mais e melhor. O governo tem de promover as reformas necessárias para contribuir com a sua parte, investindo mais e gastando menos, e revalorizando a boa regulação para mobilizar o investimento privado. A promessa da presidente Dilma de aumentar a eficiência do Estado precisa ser cumprida através da ênfase na meritocracia por ela mesmo proposta. O atual cobertor curto no campo macroeconômico (inflação e juros altos, câmbio baixo) requer um ajuste fiscal mais convincente, que aborde com coragem as questões de longo prazo. Além de juros mais baixos, o setor privado precisa de um Custo Brasil menor, de uma estrutura tributária mais racional e de uma infraestrutura melhor, ao invés de subsídios que não merece. Desta forma, sobrará mais para programas sociais também. Enfim, há muito em jogo, muito a fazer, pouco tempo a perder. Repetir o passado parece-nos a pior das opções.PEDRO CAVALCANTI FERREIRA É PROFESSOR DA ESCOLA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA DA FGV; ARMINIO FRAGA NETO, EX-PRESIDENTE DO BC, É SÓCIO-FUNDADOR DA GÁVEA INVESTIMENTOS

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.