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'O Brasil vive hoje situação de profecia autorrealizável'

Economista diz que governo tem de convencer o mercado da sua capacidade para fazer o ajuste fiscal

Por Renée Pereira
Atualização:

O economista-chefe do Santander no Brasil, Mauricio Molan, afirma que o Brasil vive hoje uma profecia autorrealizável, que pode atrapalhar ainda mais o governo no ajuste de suas contas. No câmbio, essa profecia pode ampliar a perspectiva de mais inflação. "Isso levaria a mais juros e mais juros levaria a mais dívida." A seguir trechos da entrevista:Faz sentido o risco país subir tanto como nos últimos dias? Há um exagero por parte do mercado na avaliação dos fundamentos brasileiros e ao colocar o País no mesmo patamar de risco de nações que não têm grau de investimento ou estão muito abaixo desse nível. O problema é que estamos numa situação que se chama profecia autorrealizável - aquela na qual o comportamento dos mercados pode tornar realidade uma situação extrema. O mercado aposta que o governo não tem como reagir à crise. O resultado é a venda de ativos, que dificulta ainda mais a tarefa do governo de ajustar as contas. Há exagero, mas, se não houver reação, não se quebra esse círculo vicioso.Que reação o mercado espera? A dúvida maior é quanto à capacidade do governo de estabilizar a dívida. A dívida não é exagerada, as condições fiscais não são terríveis, mas o governo precisa fazer um ajuste sustentável da ordem de 3% do PIB. Isso vale não só para 2016. Precisa continuar no longo prazo. O pacote mais recente tem apenas medidas de curto prazo. O mercado parece que desconfia do comprometimento e da capacidade do governo de fazer um ajuste fiscal profundo. O tema do comprometimento é a vontade de cortar gastos e de eliminar distorções em alguns gastos que são carimbados como social.O governo conseguirá evitar a perda do grau de investimento nas outras agências? O ajuste que o governo propôs tem como endereço o orçamento de 2016. Então é um plano incompleto. As medidas - mesmo se aprovadas - não são suficientes para colocar o superávit primário em terreno positivo nem em 2016. Além disso, não há um plano de eliminação de distorções dos gastos ao longo do tempo. O mercado leu isso como insuficiente. O compromisso precisa ser muito mais drástico e muito mais duro para superar a desconfiança. Se o governo não tomar medidas adicionais e não colocar a dívida numa trajetória estável, novos rebaixamentos vão acabar ocorrendo.O dólar chegou a R$ 4,15. O que vem pela frente? Num cenário de estabilidade, onde as medidas necessárias são adotadas e a credibilidade fiscal é retomada, o dólar recua para um valor de equilíbrio de R$ 3,70, que é a nossa projeção para o fim do ano e para 2016. Se o governo não conseguir reverter essa desconfiança do mercado, vamos criar uma tendência de continuidade da depreciação dentro dessa dinâmica de profecia autorrealizável. Por isso é fundamental uma reação por parte das autoridades principalmente na área fiscal.Qual o efeito do dólar nos preços? O grande risco é que a depreciação acentua a percepção de profecia autorrealizável na medida que a depreciação cambial gera uma perspectiva de mais inflação e mais inflação levaria a mais juros e mais juros levaria a mais dívida. O câmbio é a variável pela qual a profecia autorrealizável está se manifestando na economia. O risco é que essa variável entre numa trajetória de depreciação acentuada, se transforme numa pressão inflacionária e exija a ação da autoridade monetária. A forma de conter o ciclo de depreciação está em eliminar sua causa, e a causa está na desconfiança em relação às contas públicas.O sr. está no exterior neste momento. Qual tem sido a opinião dos investidores sobre o Brasil? Eles já têm uma posição cética em relação aos ativos brasileiro há algum tempo. O que a gente observa é que não há um movimento de retirada de recursos do Brasil. Eles já reduziram suas posições a partir de junho e julho. Mas veem os preços atrativos. O Brasil está muito barato.  

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