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O campeão voltou...

Anomalia no mercado cambial ajuda a explicar nova onda de valorização do real

Por José Paulo Kupfer
Atualização:

O dólar voltou ao centro do palco da economia brasileira, em junho, com um impressionante rali de desvalorização ante o real. Numa onda de valorização de moedas emergentes, a brasileira destacou-se como a campeã mundial. A valorização do real chegou quase a 10% só no mês passado e ficou perto de 20%, no primeiro semestre.

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Houve, nesse movimento, influência da confusão provocada pelo Brexit e do consequente adiamento da alta dos juros nos Estados Unidos. Mas o motivo principal da arrancada do real, de acordo com quase todas as análises, teria vindo da renovação da confiança dos agentes do mercado nos rumos da política econômica doméstica anunciados pela equipe do presidente em exercício Michel Temer. “O campeão voltou”, referência ao primeiro posto alcançado pelo real, era o que se ouvia, entre sorrisos, semana passada, nas mesas de câmbio.

Mais uma vez, porém, o que jogou o dólar no chão e obrigou o novo presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, a promover leilão de swap cambial reverso – operação cujo efeito é equivalente à compra de dólares no mercado futuro – dois dias depois de reafirmar o primado do câmbio flutuante, parece ter raízes em outros elementos. A peculiar estrutura de funcionamento do mercado cambial brasileiro ajuda a explicar o feito da moeda verde-amarela.

Não é de hoje que o real costuma valorizar mais do que as outras moedas, nas ondas de baixa do dólar, e a se posicionar entre as que mais perdem ante a moeda americana, quando a tendência global vai no sentido inverso. Isso ocorre porque há uma anomalia no mercado cambial brasileiro.

É intuitivo que aquele mercado que oferece maior liquidez tende a ser o que serve de base para a formação de preços. Na maior parte dos países, o mercado de câmbio contratado é o mais líquido, mas, no Brasil, o total diário negociado nesse mercado fica, em média, três a cinco vezes abaixo do volume movimentado no mercado de derivativos de câmbio da BM&FBovespa. 

Em junho, por exemplo, foram negociados, em média, quase US$ 15 bilhões por dia no mercado de derivativos ante menos de US$ 5 bilhões no mercado à vista, segundo os cálculos do economista Pedro Rossi, professor da Unicamp e especialista em questões cambiais. Enquanto o mercado de câmbio à vista não está nem entre os 20 maiores, o futuro de câmbio da BM&FBovespa se posiciona entre os cinco mais movimentados do mundo.

O fenômeno é explicado pela combinação de três fatores: liquidez internacional, altas taxas de juros domésticas e a existência de um mercado regido por regras típicas de operações financeiras de derivativos, por definição mais permeáveis e flexíveis do que as impostas ao mercado de câmbio contratado – no qual apenas instituições autorizadas e exportadores, importadores, remetentes de recursos ao exterior ou viajantes podem operar sob limites mais rígidos. 

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No futuro (derivativo) de câmbio na BM&FBovespa, qualquer investidor tem acesso ao mercado, pois nele não se negociam dólares, mas contratos em reais com base na variação do dólar.

Por não se tratar de operação com dólar, o futuro de câmbio no Brasil, onde se formam as cotações do dólar à vista, não tem tanto a ver com os fluxos cambiais quanto convencionalmente se considera. E, mais do que confiança nos rumos da política econômica, são as decisões do Federal Reserve sobre os juros nos EUA, os choques nos mercados maduros e as oscilações da liquidez internacional que, em última análise, movem a taxa de câmbio no Brasil.

“Essas características do mercado cambial brasileiro tornam impossível manter um regime autêntico de câmbio flutuante entre nós”, diz Rossi, que descreve em detalhes o mecanismo institucional anômalo, vigente no mercado brasileiro, em seu livro Taxa de câmbio e política cambial no Brasil, recém-lançado pela FGV Editora. Para Rossi, a consequência disso tudo é que, no Brasil, não se consegue usar o câmbio como instrumento do crescimento e do desenvolvimento.