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O canavial virou fábrica de automóveis

Unidade da Jeep, do grupo Fiat Chrysler, muda cenário industrial no Nordeste

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GOIANA (PE)- A Fiat Chrysler Automobiles (FCA) teve de aguardar três meses para iniciar a terraplenagem da área onde construiu a fábrica da marca Jeep em Goiana (PE) até que toda a cana fosse colhida. Terminada a safra, as máquinas entraram em operação e, pouco mais de dois anos depois, no lugar do canavial está a mais moderna fábrica do grupo ítalo-americano no mundo.

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A espera para o início das obras em relação ao calendário oficial foi acertada entre a empresa e os produtores de cana, que fizeram uma permuta com o Estado e entregaram a área de 1,1 mil hectares para ser doada à FCA. A fábrica da Jeep, que será oficialmente inaugurada no dia 28, muda o cenário dessa região pobre da Zona da Mata pernambucana, antes identificada com a atividade usineira, a pesca e o trabalho precário.

A primeira montadora de veículos a ir para uma das regiões mais carentes do Nordeste está investindo R$ 7 bilhões, o maior projeto do setor automotivo em andamento no País. O valor inclui aportes de 16 fabricantes de autopeças instaladas no terreno.

O Polo Automotivo Jeep, como é chamado, gerou até agora 4,5 mil empregos diretos. Esse número total deve chegar a 9 mil ou 10 mil quando a fábrica atingir sua capacidade máxima de 250 mil veículos ao ano, em período ainda não definido. 

Filho e neto de pescadores e cortadores de cana, Wellington Gomes Correia, de 39 anos, diz que ganhou o maior presente da sua vida no dia 22 de dezembro, quando foi selecionado para trabalhar no setor de pintura da Jeep. Dos 12 aos 28 anos, ele sobreviveu da pesca e do corte de cana, atividades que rendiam no máximo um salário mínimo da época ao mês.

Nos últimos anos, trabalhou como segurança e cobrador de ônibus e ganhava R$ 800 mensais. Na Jeep, recebe um pouco mais, e com direito a benefícios, como plano de saúde, que não tinha nos demais empregos. “Eu não tinha expectativa de melhorar de vida, hoje tenho. Quero crescer com a empresa”, diz Correia, que mora ao lado de um canavial no distrito de Tejucopapo com a mulher e dois filhos.

Anel gira para facilitar trabalho na linha de montagem do Renegade Foto: Alex Silva/ Estadão

O mais velho, de 19 anos, também enviou currículo para a Jeep e aguarda resposta. Para cada vaga aberta, a empresa recebeu 55 inscrições. “Tivemos de reduzir a exigência de escolaridade e aceitar trabalhadores sem ensino fundamental completo”, informa Adauto Duarte, diretor de Recursos Humanos.

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Correia frequentou a escola até os 14 anos e só retomou os estudos depois de adulto. “Consegui concluir o ensino fundamental aos 32 anos”, diz. Sua mulher, Berenize, conta que ele “achava que não tinha capacidade para trabalhar numa fábrica grande, mas eu o incentivei a mandar o currículo”. Agora, ele junta dinheiro para comprar um novo aparelho de TV e, no futuro, quem sabe um carro, o primeiro da família.

Preço. O Renegade, utilitário-esportivo produzido em Goiana está distante do sonho de Correia. O modelo começou a ser vendido na sexta-feira a preços que vão de R$ 70 mil a R$ 117 mil. Chega ao mercado num momento em que a indústria automobilística prevê queda de 13% nas vendas de veículos este ano, para cerca de 3 milhões de unidades. A FCA, contudo, está otimista em relação ao Renegade e projeta vendas de mais de 50 mil unidades neste ano, o que pode fazer do modelo o líder do seu segmento.

Os salários na nova fábrica estão na faixa de R$ 920 a R$ 1,6 mil, segundo fontes ouvidas pelo Estado. A empresa não quis divulgar esses dados. É pouco em relação à média paga por montadoras em outros Estados, mas atraente para uma região onde 54% dos trabalhadores ganhavam até um salário mínimo em 2010, segundo os últimos dados disponíveis pela Ceplan, consultoria econômica e planejamento, de Recife. 

De acordo com a Ceplan, 43,8% da população ocupada de Goiana e dos municípios vizinhos de Igarassu e Itapissuma não tem instrução fundamental completa. “A herança da cana é maldita”, constata Jorge Jatobá, sócio-diretor da consultoria.

“A falta de formação e a questão da logística é um problema para a Fiat, mas é super positivo ter construído a fábrica em Pernambuco”, diz José Roberto Ferro, presidente do Lean Institute Brasil. “Não tem sentido uma região que cresce acima das outras não ter uma indústria automotiva forte”.

Na opinião de Ferro, a Fiat deve repetir em Pernambuco o que ocorreu com a região de Camaçari, na Bahia, após a chegada da Ford, em 2000. “Houve um desenvolvimento da região metropolitana, aumento da renda e mão de obra mais qualificada”, exemplifica.

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