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O cerco aos escritórios estrangeiros

Até então silenciosa, disputa entre escritórios brasileiros e estrangeiros pelo mercado local ganha contornos de guerra comercial

Por Raquel Landim e
Atualização:

Nos últimos anos, sete grupos globais se associaram a escritórios de advocacia brasileiros. Chegaram ao País em busca de negócios no mercado de fusões, aquisições, aberturas de capital e internacionalização de empresas. Estima-se que esse mercado movimente cerca de R$ 2 bilhões em comissões para advogados.Com fôlego renovado pelo apoio externo, escritórios brasileiros até então de médio porte cresceram, conquistaram grandes clientes e contrataram algumas das "estrelas" dos concorrentes mais tradicionais. O assédio ao mercado brasileiro incomodou, principalmente, os grandes escritórios locais.Pouco antes do carnaval, a sigilosa briga no mundo jurídico ganhou contornos de guerra comercial. Um parecer da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) proibiu a associação formal entre escritórios nacionais e estrangeiros, vetando divisão de honorários ou cooperação para captar clientes. Aprovado pelo comitê de ética da entidade, o parecer estabelece regras duras para a publicidade dada a essas associações. As instalações físicas dos escritórios nacionais e estrangeiros devem ser em locais diferentes, não pode haver semelhança em cartões de visita, endereços de e-mail ou páginas da internet.É o contrário do que ocorre hoje. Em boa parte das associações, os advogados dividem o mesmo escritório, com ambas as marcas na placa de entrada. Na maioria delas, o e-mail dos advogados é o do escritório internacional. Nos cartões de visita e nas páginas da internet, os dois nomes estão em destaque, embora o brasileiro apareça um pouco maior. Segundo Carlos Kauffmann, conselheiro da OAB e relator do processo, a base do parecer é a regra da Ordem que estabelece que advogados estrangeiros só podem atuar no Brasil como consultores em direito do seu país de origem. O tema virou polêmica e está em estudo na OAB federal (ver matéria abaixo).Horácio Bernardes, sócio do Xavier, Bernardes e Bragança e presidente de duas comissões da OAB-SP (uma delas responsável por verificar o exercício legal da profissão), é um defensor do parecer. Ele argumenta que a profissão de advogado não é como a de consultor ou auditor. "No Brasil, o advogado tem responsabilidade civil por prejuízos causados a clientes. E ela é ilimitada e solidária aos demais sócios", justifica. "O que nos parece - e estamos investigando - é que os escritórios brasileiros fazem uma sociedade na qual quem manda são os estrangeiros, perdendo todas as características de independência do escritório brasileiro."Especialistas contrários ao parecer argumentam que as associações internacionais geram concorrência, beneficiando advogados e clientes. "Para a área de comércio exterior, a decisão da OAB é um retrocesso", disse Welber Barral, consultor e ex-secretário de Comércio Exterior do ministério do Desenvolvimento. "As associações são eficientes para atender clientes que se internacionalizam".Segundo o Estado apurou, as maiores associações entre advogados estrangeiros e nacionais estão sendo investigadas pela OAB-SP. Até agora, o órgão apenas pediu informações, mas os escritórios podem se tornar alvos de processos no tribunal de ética. Caso sejam condenados, os advogados podem ser punidos com censura, suspensão ou até cassação da licença.A investigação da OAB foi motivada por uma consulta do Cesa (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados), um órgão de lobby do setor. Com o apoio de grandes escritórios, a iniciativa é capitaneada por José Luis de Sales Freire, presidente do Cesa e sócio fundador do Tozzini Freire Advogados. Procurado, ele não deu entrevista.Não é de hoje que escritórios nacionais se associam a estrangeiros. O Trench, Rossi & Watanabe mantém uma associação com o Baker & Mackenzie há 50 anos. Mas só agora o fenômeno começou a incomodar, porque aumentou a disputa por clientes e profissionais. Sangria. O Tozzini Freire perdeu cerca de 10 advogados para o DLA Piper, associado ao Campos Mello (que também não deu entrevista). Com exceção do Pinheiro Neto, que possui capital pulverizado entre sócios, vários escritórios sofreram com a sangria de talentos.Em 2009, o Tauil & Chequer se associou ao gigante Mayer Brown e trouxe profissionais escolhidos a dedo: Carlos Motta, especialista em mercado de capitais, veio do Machado Meyer; Eduardo Soares, da área de energia, trabalhava no Mattos Filho; Laura Bumachar, especialista em recuperação judicial, estava no Barbosa, Müssnich e Aragão.O caso mais emblemático foi a saída de Carlos Mello, do Mattos Filho. Um dos principais especialistas em mercado de capitais, ele coordenava boa parte das aberturas de capital de empresas no País. Segundo fontes próximas, Mello foi para o Lefosse/Linklaters para ganhar R$ 1,8 milhão por ano durante três anos.Advogados que trocaram de escritório disseram ao Estado que a motivação não é só financeira. Nos escritórios tradicionais, a subida ao topo pode demorar quase duas décadas, a diferença de salários entre sócios juniores e seniores chega a dez vezes e os fundadores tomam as decisões estratégicas. Já nos escritórios associados com estrangeiros, cada sócio costuma ter um voto.Também não é a primeira vez que a OAB-SP se debruça sobre o assunto. Em 2005, a Ordem firmou um acordo de ajuste de conduta com o Lefosse/ Linklaters. Os termos são sigilosos, mas não atendem 100% do parecer emitido em fevereiro. A OAB agora está fiscalizando se o acordo vem sendo cumprido."Ficamos surpresos com o parecer, porque vai no sentido contrário do acordo com o Linklaters no qual nos inspiramos", diz Bruno Werneck, sócio do Tauil & Chequer/Mayer Brown. "Se for mantido, o parecer inviabiliza qualquer associação".À frente do maior escritório do País, o Pinheiro Neto, Alexandre Bertoldi diz ter uma posição mais ou menos neutra. "Aceitamos as associações desde que haja igualdade de condições. Não quero que os sócios de fora tenham menos responsabilidades que os do Brasil. Mas vejo o interesse dos estrangeiros como um sinal de evolução e sofisticação do mercado", diz.

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