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O CFO imperial

Os diretores financeiros das empresas vêm concentrando poderes preocupantes e monitoram tudo o que acontece

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Por Redação
Atualização:
Patrick Pichette, ex-CFO do Google, foi um dos mais bem pagos Foto: MARK BLINCH | REUTERS

O tempo dos CEOs imperiais ficou para trás. Os executivos-principais de hoje se esforçam para conter seus egos, tentando, ao contrário, projetar uma imagem modesta. Falam em “liderar para servir” e se desdobram em tratar bem todos os que, de uma forma de outra, contam com o bom desempenho da companhia, dos acionistas aos fornecedores e consumidores. Muitos CEOs chegam a ceder a ribalta para os fundadores e investidores famosos de suas empresas. Não obstante isso, uma nova figura em posição de mando vem emergindo no interior das companhias, bem menos exuberante que os autocráticos CEOs de outrora, mas com igual disposição para concentrar poder: o CFO imperial.

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Há 50 anos, eram raras as empresas em que havia um diretor financeiro. As contas geralmente eram administradas por indivíduos misteriosos, chamados em inglês de “comptrollers”. Hoje os CFOs ocupam posição central em todas as grandes empresas do planeta. São os únicos membros da diretoria, além do CEO, que têm condições de monitorar tudo que acontece no interior da companhia. São os únicos executivos, além do CEO, que inspiram temor em todas as esferas da empresa: quem recebe um “não” do CFO sabe que seu precioso projeto foi para as cucuias. Especializada no recrutamento de executivos, a Russell Reynolds os chama de “copilotos”. Em pelo menos uma empresa de destaque, o Twitter, pode-se dizer que é o CFO, Anthony Noto, quem tem o manche nas mãos a maior parte do tempo.

Os diretores financeiros desempenham papel cada vez mais importante na definição dos rumos das empresas. Já não baseiam suas ações apenas no que veem nos números. Fazem-no pelo prisma da estratégia corporativa, em cuja definição acham-se profundamente envolvidos. Alocam capital com a preocupação de fazer essa estratégia ganhar vida — avaliando até que ponto cada iniciativa específica se coaduna com a visão de longo prazo da empresa.

Os CFOs também vêm tendo participação crescente na supervisão das operações corporativas. Há vinte anos, era raro que despregassem os olhos de suas planilhas. Agora passam grande parte do tempo inspecionando as operações, fazendo uma visitinha aqui e outra acolá para ver como os números se traduzem na prática. Esse conhecimento detalhado do panorama corporativo aumenta sua influência.

Outra província que os CFOs estão colonizando é a das relações externas. Vivem conversando com investidores, membros do conselho de administração, acionistas, credores e autoridades. Com frequência, o mercado presta mais atenção no que diz o cacique das finanças de determinada empresa do que nas palavras de seu “comandante em chefe”. Ruth Porat, atual CFO da Alphabet (holding controladora do Google), que antes ocupava o mesmo cargo no banco Morgan Stanley, é particularmente influente em Wall Street. Há casos em que os tentáculos do diretor financeiro chegam até o conselho de administração: a passagem de Leo Apotheker pelo comando da HP chegou ao fim depois que a CFO da companhia, Cathie Lesjak, informou aos membros do conselho que era terminantemente contra a decisão de Apotheker de comprar a desenvolvedora de softwares Autonomy.

Essas estrelas em ascensão vêm sendo muito bem recompensadas por sua influência crescente. Em 2014, a mediana da remuneração dos CFOs das empresas do S&P 500 equivalia a US$ 3,8 milhões. (O mais bem pago deles, Patrick Pichette, que foi diretor financeiro do Google até o ano passado, pôs US$ 43,8 milhões no bolso.) Ainda que os montantes sejam inferiores aos recebidos pelos CEOs, a diferença vem diminuindo: os CFOs têm sido premiados com aumentos salariais mais polpudos que os oferecidos a seus chefes, em especial nas empresas de maior porte. Os CFOs também vêm ganhando influência e poder no interior do que se poderia chamar de “classe dirigente invisível” — uma rede de figuras de destaque, cuja atuação se dá longe dos olhos do público, englobando os membros dos conselhos de administração e seus presidentes, além de burocratas de alto escalão de sociedades de economia mista —, que é responsável pela contratação dos CEOs e pela avaliação de seu desempenho. A consultoria EY diz que, em 2012, quase 50% dos CFOs das 350 maiores corporações globais tinham assento nos conselhos de administração de outras empresas, frente a 36% em 2002.

Diversos fatores explicam ascensão do CFO. O movimento em prol da criação de valor ao acionista contribuiu de forma significativa para que os diretores financeiros passassem a ter mais importância na determinação dos objetivos corporativos. Andrew Fastow, que acabou sendo condenado por seu papel na derrocada da Enron, foi um dos que, de maneira não exatamente auspiciosa, primeiro sentou no banco do copiloto. A chamada lei Sarbanes-Oxley, aprovada pelo Congresso americano em 2002 com o objetivo de pôr fim à bandalheira que resultou em escândalos como o da Enron, estabeleceu o papel do CFO como parceiro do CEO no topo da pirâmide corporativa.

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É difícil dizer se a emergência do CFO imperial é boa ou ruim. Um elemento positivo é que o fenômeno vem acompanhado de diversidade e profissionalismo crescentes. Nas principais empresas americanas, 13% dos CFOs são mulheres, ao passo que entre os CEOs elas são apenas 5%. Os diretores financeiros de hoje têm formação melhor e mais variada que a de seus antecessores. Também têm experiência em ampla gama de funções.

A roupa nova do imperador. De qualquer forma, o exemplo de Fastow deve servir como advertência. Os CFOs costumam permanecer menos tempo no cargo que os CEOs: cinco anos, em média, nas empresas de capital aberto dos EUA, frente a sete anos dos CEOs. Além disso, a proporção de sua remuneração atrelada ao desempenho da companhia é maior que a de qualquer outro executivo, com exceção do CEO. Ao mesmo tempo, eles estão sujeitos a grande número de pressões conflitantes — fazem as vezes de relações públicas e de homem do cofre, ao mesmo tempo em que atuam como estrategistas e auditores corporativos. Relatório recente da EY começa com a advertência de que “a função talvez tenha se tornado grande demais para que um único indivíduo seja capaz de desempenhá-la com eficiência”. A quantidade cada vez maior de ferramentas que os CFOs têm à disposição talvez lhes possibilitem mensurar o desempenho corporativo com maior precisão, mas também lhes dá a oportunidade de rearranjar os números de modo a produzir os melhores resultados.

Em 2013, Fastow tentou explicar seu comportamento dizendo que pensava que “o jogo era esse. Havia um complexo conjunto de normas e o objetivo era usá-las da maneira que mais trouxesse vantagens”. É possível que hoje os diretores financeiros se esforcem mais em cumprir as regras, mas também passam boa parte do tempo recorrendo a artifícios como os “encargos internos” (preços de transferência), a fim de concentrar os lucros em países onde a carga tributária é mais baixa. O termo “imperial” nunca é promissor quando aplicado as executivos — sobretudo quando a principal obrigação do sujeito é fazer com que a empresa ande na linha.

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