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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|O copo meio cheio da economia brasileira

Apesar do desemprego ainda alto demais e da deterioração das contas públicas, não dá para fechar os olhos para as coisas que em boa parte compensam o quadro negativo

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Atualização:

As fotos do Brasil no exterior não se resumem a Bolsonaro, Neymar e incêndios na floresta. Há uma melhora notável da percepção geral da economia, também partilhada por um número crescente de observadores internos.

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Parece melhor começar pelo reconhecimento do que não vai bem. A atividade econômica continua a passos de tartaruga e não se vê recuperação consistente na indústria. O desemprego, em leve recuperação, continua alto demais. Há nada menos que 12,6 milhões de brasileiros que não encontram ocupação e o contingente de trabalhadores entregue ao desalento também é alto: 4,8 milhões. É uma situação aflitiva, que derruba a renda e o consumo e adia os investimentos.

O setor que apresenta o pior desempenho é a forte deterioração das contas públicas, a mãe dos problemas da economia brasileira. A dívida pública tende a avançar para os 80% do PIB e só não crescerá mais porque os juros estão afundando. Não há dinheiro para nada e, em casa em que não há pão, coisas brabas podem acontecer, como adverte o ditado. Por aí se vê que a incerteza pode engrossar na área política.

Expectativa do mercado é que a safra de grãos 2019/20, em especial da soja e do milho, matenha os bons números dos anos anteriores Foto: Divulgação

Mas isso não é tudo. Não dá para fechar os olhos para coisas que em boa parte compensam o quadro negativo. O tombo espetacular e consistente da inflação para alguma coisa abaixo de 3,5% neste ano é uma situação que nenhum brasileiro vivo presenciou por aqui. À vertigem da inflação segue o deslizamento sem artificialismos dos juros básicos (Selic), ao nível mais baixo da história do regime de metas.

As contas externas, principal ponto fraco das sucessivas crises dos anos 70 e 80, seguem robustas. A entrada de capitais de investimento deverá ultrapassar neste ano os US$ 85 bilhões, não muito diferente do que aconteceu em 2018, e este é um sinal de confiança. O País possui hoje reservas externas de US$ 385 bilhões, o equivalente a 27 meses de importações e a quase 120% da dívida externa. Do ponto de vista estritamente técnico, esse cadastro afasta qualquer risco de corrida ao dólar, apesar do desastre que prostrou a Argentina e da tendência que leva certos setores a considerar Brasil e Argentina como farinhas do mesmo saco.

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A melhor indicação de que, no âmbito das contas externas, a imagem do Brasil é boa é a de que o índice de risco Brasil, medido pelo desempenho do CDS (Credit Default Swap) para títulos de 5 anos do Tesouro do Brasil, que chegou aos 307 pontos há um ano, nesta quinta-feira ancorou nos 116 pontos. Isso significa que o adicional de risco exigido pelos tomadores de títulos do Brasil no exterior caiu 62,2% no período e é compatível com o grau de investimento não reconhecido pelas agências de classificação de risco.

Mas, se é assim, por que o dólar saltou para acima dos R$ 4? Primeiramente, porque a guerra comercial e a geopolítica semearam insegurança pelo mundo e muita gente vem preferindo abrigar seu patrimônio em ativos seguros. Não é à toa que, em dólares, o ouro valorizou quase 25% nos últimos 12 meses. Mas há a instabilidade política interna, que também começa a mexer demais com a cotação do dólar. De todo modo, parece uma temeridade apostar firme contra o real, sabendo-se que o Banco Central conta com extensa munição em reservas externas líquidas.

Mas a área externa não é o único flanco do Brasil que mostra saúde. O agronegócio, por exemplo, promete nova safra recorde para a semeadura que começará com as primeiras chuvas de primavera. O IBGE espera uma produção de grãos de 239,8 milhões de toneladas, avanço de 5,9% em relação à obtida na safra anterior. A circulação de recursos a partir do interior tem tudo para aumentar.

Segmento que também promete é o do petróleo. O leilão das áreas adjacentes às da cessão onerosa, agendado para início de novembro, deve, apenas ele, trazer R$ 107 bilhões. A novidade nesse setor está no âmbito político. Tanto o governo federal como os governadores estão fortemente empenhados em que os três leilões agendados para este ano sejam um sucesso, convergência que não se viu no passado.

Como pontos positivos da economia podem ser acrescentados mais três: falta pouco para aprovar a reforma da Previdência; a reforma tributária parece bem encaminhada, com a vantagem de que, desta vez, há uma consistente vontade política de que nesse item as coisas afinal desemperrem; e, não menos importante, não há problemas sérios no sistema bancário, algo que não aconteceu nas crises anteriores do Brasil.

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Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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