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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|O Facebook que censura

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Na quarta-feira da semana passada, enquanto o Brasil celebrava o Sete de Setembro, o Facebook bloqueou a página do principal jornal norueguês, Aftenposten. O motivo foi a publicação da mais importante imagem registrada durante a Guerra do Vietnã, que retrata a menina Phan Th? Kim Phúc, aos 9 anos, fugindo nua entre crianças vestidas de sua vila, bombardeada pelos americanos com napalm.

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A menina está aos prantos, seus braços abertos. É a cara do pânico. Na foto em preto e branco, granulada, não dá para ver de todo. Mas, nuns pontos do braço esquerdo, sua pele parece brilhar.

Talvez nenhuma outra fotografia, na história do jornalismo seja um instantâneo tão marcante de um ser humano em estado de terror pleno. Tão jovem a menina, a expressão de agonia e, sim, sua nudez, tudo soma para flagrar aquele momento de pura fragilidade.

Na sexta, foi a primeira-ministra norueguesa, Erna Solberg, que republicou a imagem em seu perfil oficial, no Facebook, seguida de um comentário. A rede social também apagou este post.

E, assim, o Facebook acaba de entrar em uma nova era: atribui-se o direito de censurar chefes de Estado de países democráticos.

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O problema de Mark Zuckerberg é a nudez. Nenhuma democracia ocidental tem mais dificuldades de lidar com nudez do que a americana. Assim, como a empresa americana, impõe-se a todas as outras democracias este limite.

A premiê norueguesa pode perfeitamente publicar a mesma fotografia no site oficial do governo e em trocentos outros cantos da internet. O Facebook, porém, tem pouco mais de um bilhão de usuários e é onde tantos se encontram diariamente. Um chefe de Estado tem o dever de se comunicar com seus cidadãos utilizando-se dos principais meios. Deve falar aos grandes veículos de imprensa, deve ter sua presença na internet, e deve estar nas principais redes sociais.

E o Facebook, em seu espaço, censura o que bem desejar.

Naquele distante 11 de junho de 1972, os editores do The New York Times debateram se deviam ou não publicar a imagem. Mas estamparam-na na capa do jornal do dia seguinte. O New York Daily News, seu principal concorrente local à época, fez o mesmo. Assim como inúmeros jornais e revistas pelos Estados Unidos.

Os pudores com nudez eram mais acentuados nos anos 1970. Mas o que as pessoas que decidiram publicar compreendiam é que ali estava o horror da guerra. Não é à toa que o fotógrafo Nick Ut ganhou um Prêmio Pulitzer. Numa imagem ele resumiu a covardia do Vietnã.

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Algum burocrata dentro do Facebook interpretou uma regra contra nudez ao pé da letra. Não percebeu aquilo que qualquer um é capaz de ver: não é sexual. É o horror.

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Se um chefe de Estado não tem liberdade para apresentar uma imagem de guerra, o que está ameaçada é sua expressão política. O Facebook tornou-se uma plataforma de comunicação mundial. No ranking de temas mais debatidos naquela rede, política sempre aparece em primeiro. É o que nós fazemos no Brasil, é o que os noruegueses fazem e é o que fazem os americanos. Discutimos política no Facebook.

Empresas jornalísticas não são empresas comuns. Prestam um serviço fundamental ao exercício da democracia. Com o Facebook é similar. Se a rede se tornou um dos principais palcos do debate público, é preciso encarar este serviço com a sobriedade que cabe.

Impedir a manifestação de um chefe de Estado, assim como dos principais líderes de oposição, é uma ameaça ao livre debate. Pelo tamanho que conseguiu atingir, o Facebook tornou-se uma empresa estupenda. Com isso vem responsabilidade.

As oscilações do Facebook neste território indicam, antes de tudo, que a empresa ainda não percebeu no que se transformou.

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