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O fim da hemorragia grega

A vitória do "não" oferece ao menos uma chance de escapar da armadilha de mais medidas de austeridade. Como administrar essa escapatória? Há uma maneira de manter a Grécia no euro?

Por Paul Krugman (The New York Times)
Atualização:

A Europa escapou por pouco no domingo. Contrariando muitas previsões, os eleitores gregos votaram majoritariamente em favor da rejeição das demandas dos credores por parte do seu governo. E até os mais ardentes defensores da união na Europa deveriam respirar aliviados.

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É claro que não é isso que os credores querem mostrar ao público. A narrativa deles, ecoada por muitos no jornalismo econômico, diz que o fracasso de sua tentativa de intimidar a Grécia a aceitar as condições impostas foi um triunfo da irracionalidade e irresponsabilidade contra sólidos conselhos tecnocráticos.

Mas a campanha de intimidação - a tentativa de aterrorizar os gregos com o corte do financiamento bancário e ameaça de caos generalizado, com o objetivo praticamente declarado de derrubar o atual governo de esquerda - foi um momento vergonhoso de uma Europa que diz acreditar nos princípios democráticos. O sucesso da campanha teria estabelecido um terrível precedente, ainda que a narrativa dos credores fizesse sentido.

O pior é que essa narrativa não fazia sentido. A verdade é que os supostos tecnocratas da Europa são como médicos medievais insistindo em sangrar seus pacientes - e, ao ver que o tratamento deixava os enfermos ainda mais doentes, exigiram sangramento maior. Uma vitória do "sim" na Grécia teria condenado o país a mais anos de sofrimento sob políticas que não funcionaram e, na verdade, levando em consideração a aritmética, não podem funcionar: é provável que a austeridade reduza a economia mais rápido do que reduz a dívida, de modo que todo o sofrimento acaba não servindo a propósito nenhum. A vitória esmagadora do "não" oferece ao menos uma chance de escapar dessa armadilha.

Mas como administrar essa escapatória? Há uma maneira de manter a Grécia no euro? E, em todo caso, será que isso é desejável?

A questão mais imediata envolve os bancos gregos. Em antecipação ao referendo, o Banco Central Europeu cortou seu acesso a fundos adicionais, ajudando a precipitar o pânico e obrigando o governo a impor um feriado bancário e o controle de capitais.

O banco central enfrenta agora uma escolha difícil: se o financiamento normal for retomado, a instituição vai praticamente admitir que o congelamento anterior teve raízes políticas, mas, se isso não for feito, a Grécia será obrigada, na prática, a introduzir uma nova moeda.

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Especificamente, se o dinheiro não começar a fluir a partir de Frankfurt (sede do banco central), a Grécia não terá escolha a não ser começar a pagar salários e pensões com promissórias, que funcionarão como uma moeda paralela de fato - a qual poderia em breve se transformar no novo dracma.

Suponhamos, por outro lado, que o banco central retome a normalidade nas operações de crédito, aliviando a crise bancária. Isso nos deixa com a questão de como restaurar o crescimento econômico.

Nas negociações fracassadas que culminaram no referendo de domingo, o principal ponto foi a exigência grega de alívio permanente para a dívida, removendo a nuvem que paira sobre sua economia. A troika - as instituições representantes dos interesses dos credores - recusou, embora saibamos hoje que um dos membros da troika, o Fundo Monetário Internacional, tinha concluído independentemente que a dívida da Grécia não pode ser paga. Mas será que elas vão reconsiderar sua posição, agora que a tentativa de tirar do governo a coalizão esquerdista fracassou?

Não sei a resposta - e, seja como for, há agora sólidas argumentações indicando que a saída da Grécia do euro seria a melhor dentre as opções ruins.

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Imaginemos, por um momento, que a Grécia jamais tivesse adotado o euro, optando simplesmente por definir um câmbio fixo entre dracmas e euros. De acordo com uma análise econômica elementar, o que o país deveria fazer agora? A principal resposta seria a desvalorização - permitir uma queda no valor do dracma, tanto para incentivar as exportações como para romper o ciclo deflacionário.

É claro que a Grécia não tem mais sua moeda própria, e muitos analistas costumavam afirmar que a adoção do euro seria uma jogada irreversível - afinal, qualquer sugestão de saída do euro detonaria uma série de devastadoras corridas bancárias e uma crise financeira. Mas, a essa altura, como a crise financeira já ocorreu, até o momento os maiores custos de uma saída do euro já foram pagos. Que motivo haveria agora para deixar de buscar os benefícios desse rumo?

Será que a saída da Grécia do euro funcionaria tão bem quanto a extremamente bem-sucedida desvalorização da moeda islandesa em 2008-09, ou o abandono da política de equivalência cambial entre peso e dólar na Argentina em 2001-02? Talvez não - mas pense nas alternativas. Se a Grécia não receber um substancial alívio para sua dívida, e talvez mesmo com esse alívio, a saída do euro oferece a única rota de fuga plausível desde interminável pesadelo econômico.

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E sejamos claros: se a Grécia de fato deixar o euro, isso não significa que os gregos são maus europeus. O problema de endividamento do país refletiu a irresponsabilidade na concessão e na tomada de empréstimos e, seja como for, os gregos já pagaram repetidas vezes pelos pecados do seu governo. Se a Grécia não conseguir funcionar com a moeda comum da Europa, isso mostra que essa moeda não oferece alívio a países em dificuldades. O important agora é fazer tudo que for necessário para acabar com a hemorragia. Tradução de Augusto Calil

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