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O futuro chegou

 Raramente é fácil fazer escolhas. É melhor ser rico com saúde do que ser pobre e doente, por exemplo. Mas geralmente não é assim. Ter um benefício no presente em troca de possíveis problemas no futuro é mais comum e requer uma escolha mais elaborada. Da mesma forma, optar entre um pequeno benefício hoje ou um benefício maior mais adiante exige alguma reflexão. Há economistas que dedicam seu tempo a estudar a forma pela qual essas escolhas são feitas. Uma questão central neste tema é a taxa pela qual se desconta o futuro, ou seja, o que leva uma pessoa a preferir ou rejeitar menos agora em troca de mais depois.

Por LUÍS EDUARDO ASSIS
Atualização:

À primeira vista, essa taxa de desconto deveria ser exponencial. Para valer a pena, o aumento do benefício deve ser mais que proporcional ao tempo de espera. Experiências comportamentais, no entanto, mostram que a curva de desconto hiperbólica se ajusta mais perfeitamente à realidade. Pela curva hiperbólica, explica-se, o valor atribuído a eventos futuros cai rapidamente para períodos curtos e mais lentamente para eventos no futuro longínquo, o que denota uma forte preferência pelo curto prazo. Pessoas viciadas em drogas demonstram preferências temporais que se ajustam melhor a uma curva hiperbólica. Testes com ratos mostraram a mesma preferência. Eventuais interessados poderão saber mais consultando o instigante livro de John Kagel (Economic Choice Theory: An Experimental Analysis of Animal Behavior).

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A julgar pelas escolhas feitas nos últimos anos, os formuladores da política econômica brasileira sofrem da mesma incapacidade de valorizar o futuro. O problema é que o futuro tem o mau hábito de chegar e cobrar de nós as decisões erradas que foram feitas no passado. Há pelo menos três faturas que chegaram e terão de ser pagas pelo próximo governo.

A primeira deriva da preferência por estímulos ao consumo, em detrimento dos incentivos à produção. Nos dez anos terminados em junho de 2014, a produção industrial brasileira acumulou um crescimento de míseros 8%, ante um aumento de 86% no volume de vendas do comércio no mesmo período. O inverno chegou e, agora, tiritamos. La Fontaine não contaria melhor a nossa fábula.

A segunda fatura tem que ver com a introdução da “inflação criativa”, vale dizer, a adoção de mecanismos que impedem o aumento de preços, mascarando os índices de inflação, por intermédio de engenhocas toscas que expandem os gastos ou o endividamento do setor público. O desmonte do setor elétrico e a política de preços dos combustíveis são exemplos deste equívoco crasso.

A terceira escolha errada remete à política cambial. Aceitar uma valorização cambial contínua equivale à escolha de um rato de laboratório que prefere receber uma dose de ração imediatamente a esperar e receber três doses mais adiante. Se a moeda se valoriza, o barateamento dos produtos importados permite que uma expansão do crédito e da demanda possa ocorrer sem aumento expressivo da inflação. Fornece, ainda, o conforto de imaginar que, se o resto do mundo está valorizando a nossa moeda, é porque alguma coisa boa acontece.

Nos últimos dez anos, a taxa cambial deflacionada por uma cesta de 13 moedas ponderadas pela participação relativa na nossa balança comercial foi valorizada, nos cálculos da Fundação dos Economiários Federais (Funcef), em nada menos que 61%, dos quais 7% apenas nos primeiros seis meses de 2014. Neste mesmo período, a importação de bens de consumo cresceu 422%, gerando emprego e renda em outros países. Parte dos analistas do mercado financeiro acredita que uma vitória da oposição na eleição deste ano pode gerar uma súbita recuperação da credibilidade, com o que o Brasil atrairia capitais e haveria nova rodada de valorização do real. Se o novo governo cair nessa tentação, mais uma vez empenharemos o futuro em nome de um benefício efêmero.

Pode-se argumentar, a favor do governo, que os eleitores também preferem benefícios no curto prazo, induzindo a política econômica a pôr em segundo plano medidas que tornem o futuro melhor.

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É possível listar duas réplicas a esse raciocínio, ambas levando em consideração os postulados da teoria das escolhas públicas, desenvolvida originalmente por James Buchanan, Prêmio Nobel de Economia de 1986.

Em primeiro lugar, é bom lembrar que a estratégia de privilegiar o curto prazo e deixar em segundo plano reformas de maior fôlego pode ser contraproducente, como mostra a lição que estamos vivendo neste momento, em 2014. O governo errou o cálculo dos incentivos de curto prazo ao consumo e o trem da economia está resfolegando. Vai parar a centenas de metros da estação, decepcionando todos os passageiros. A estratégia de curto prazo se esgotou antes do tempo previsto e as eleições devem ocorrer num ambiente recessivo.

Além disso, do ponto de vista das ambições pessoais, um político pode ganhar mais do que votos quando enxerga além de seu tempo. Winston Churchill, que nunca se comportou como rato, perdeu as eleições de julho de 1945, apesar de ter sido um dos grandes vitoriosos da 2.ª Guerra Mundial. Mas, ao enxergar longe, garantiu seu papel na História. Todos sabem quem foi Churchill, mas nem todos se lembram do nome de Clement Attlee, que lhe derrotou nas urnas. A confiança depositada nos votos pode ser efêmera. A glória está reservada aos líderes que pensam além do seu tempo.

Resta ver o que nosso próximo presidente da República escolherá. Pode cair novamente nas tentações libidinosas do curto prazo ou pode pensar mais longe e ter a ambição de colocar o Brasil numa trajetória de desenvolvimento, o que significa começar seu mandato com ajustes dolorosos. O futuro é como uma sogra que mora longe. Pode até demorar, fingir que não existe. Mas um dia ela chega.

* Economista, foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e da FGV-SP. E-mail: luiseduardoassis@gmail.com

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