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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|O futuro visto do Vale

A automação sairá da indústria para entrar nos serviços muito rápido

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Atualização:

Os tempos políticos andam bicudos e estranhos, e não é só no Brasil. As peças se movem com rapidez. E uma conferência que se encerra hoje, em San Francisco, na Califórnia, tratou de juntar gente que foi do governo com executivos e pensadores do Vale do Silício, para debater justamente o estado do mundo e da economia, tentando compreender o que nos aguarda. Em debate, nos palcos da NewCo Shift, emprego e trabalho, mercado financeiro, protecionismo por parte de países.

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Robert Reich, ministro do Trabalho no período Clinton e hoje professor da Universidade de Berkeley, foi uma das estrelas do evento. Ele bate na tecla da necessidade, por parte dos governos, de garantir uma renda mínima a todos. É um conceito universalmente aceito no Vale. Mas, para Reich e as cabeças digitais na audiência, não se trata apenas de uma versão superdotada do antigo seguro-desemprego. Ele quer usar tecnologia para realocação.

O antigo ministro imagina um sistema que, como a rede social, tem o cadastro de todos os que buscam emprego, sua renda passada, suas habilidades. E um software que aplique inteligência artificial para localizar, em todos os Estados Unidos, empregos equivalentes ou melhores nos quais o candidato pode se encaixar. Ele imagina que, numa economia pujante como a americana, a união entre renda garantida e um sistema assim puxaria o PIB para cima e diminuiria incrivelmente a dor do desemprego.

Porque desemprego é uma questão importante. Mais do que isso: a percepção do desemprego importa. O que levou Donald Trump à presidência foi a virada de dois ou três Estados tipicamente democratas na direção do republicano. Viraram, pois Trump fez um forte discurso protecionista, prometendo o retorno de indústrias para os EUA. O que ele não contou é que, mesmo em lugares como a China, indústrias já não empregam mais como antigamente. São cada vez mais automatizadas, com robôs e softwares tocando boa parte da linha de produção.

Vai além. Em 2021, todas as marcas de automóveis já terão, no mercado americano, veículos autônomos. Talvez demorem um pouco mais a chegar no consumidor, mas tocarão rápido o mercado de motoristas profissionais, a começar pelos Ubers da vida.

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Ainda este ano, começarão a aparecer em San Francisco os primeiros robôs que preparam cafés. Na sequência, os que fazem drinks. Softwares de contabilidade inteligente estão ali na curva. A automação sairá da indústria para entrar nos serviços muito rápido. Em cinco anos, o mundo já será outro. Governos precisam ter políticas para atacar este tipo de problema. E rápido.

Mas, para isso, o Vale olha torto para o mercado financeiro. Se há um século ele era uma máquina de gerar capital para financiar indústrias, sua modernização nas últimas décadas produziu uma ciranda louca que gera altos volumes de rendimento sem produzir um parafuso e tem por consequência a criação de crises repentinas. Um dos problemas avaliados pela conferência é este: o mundo precisa investir mais em novas ideias, novos produtos, novas soluções. Que darão frutos no nascimento de novas indústrias. Mas, para isso, é fundamental que o capital deixe de servir ao jogo e torne a financiar criação. Não é coisa trivial de resolver.

Sai da NewCo Shift pelo menos uma convicção por parte do Vale. Brexit e Trump são o último respiro de um mundo antigo. Por força da inércia digital, a globalização vai acelerar. E não será apenas para o livre fluxo de dinheiro e produtos, mas também de pessoas. No futuro, as fronteiras vão se dissolver rapidamente.