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O i6 do Estado brasileiro

Por Antônio Márcio Buainain
Atualização:

Estou fora do País e acompanho, pela imprensa internacional, a novela dramática do ajuste fiscal brasileiro. Noto que o desequilíbrio vem sendo abordado como resultado do excesso de gastos eleitorais, passível de correção imediata, e não como o problema estrutural que de fato é, que não se resolve apenas cortando gastos e aumentando impostos. Não é trivial mostrar aos interlocutores - cuja maioria foi seduzida pela propaganda lulista e acredita que o Fome Zero foi um sucesso - que no Brasil de hoje fazer o que parece fácil e lógico é uma missão quase impossível. Tentei explicar a colegas chineses a necessidade de uma reforma profunda do setor público brasileiro, que caracterizei como inchado, insuficiente, injusto, irracional, ineficiente e ineficaz. Colhi alguns sorrisos de simpatia e me dei conta de que poderiam pensar que estava usando o Brasil para me referir à situação local. Mudei de conversa e voltei ao agronegócio brasileiro, tema central da minha agenda de visitas a universidades chinesas. O inchaço é óbvio: o setor público consome quase 38% do PIB, absorve aproximadamente 11 milhões de pessoas e é responsável direto pela vida econômica em 70% dos municípios. Ainda assim, o Estado é insuficiente! A população sente a insuficiência na pele, na falta de hospitais públicos, delegacias de polícia, veículos e combustível para uso em serviço público, infraestrutura básica que só o Estado pode construir e operar. Apesar do excesso, faltam até funcionários públicos: médicos, enfermeiros, professores, extensionistas, assistentes sociais, policiais, cientistas, juízes... Serviços básicos que deveriam ser prestados pelas municipalidades, como abrir e manter estradas vicinais, simplesmente não existem na maioria delas. E faltam principalmente qualidade e respeito ao cidadão contribuinte. A verdade é que, mantendo-se intacta a estrutura atual, não há ajuste fiscal possível que venha a cobrir pelo menos as insuficiências mais relevantes. Em tese, o Estado deveria corrigir injustiças e promover o bem-estar social, mas o Estado brasileiro é injusto porque favorece os que menos precisam e reforça a histórica má distribuição de renda e riqueza. Para mim, nada simboliza melhor a iniquidade promovida pelo Estado do que o sistema previdenciário vigente, do qual sou beneficiário potencial, que reserva tratamento especial aos funcionários públicos e políticos em geral, em termos de tempo e remuneração, enquanto achata o valor da aposentadoria da grande maioria e paga apenas um salário mínimo aos de renda mais baixa. E como caracterizar a cobertura dos gastos médicos exorbitantes com tratamento no exterior, assegurado para uma minoria por meio judicial, enquanto a maioria padece da falta recorrente de medicamentos essenciais de uso contínuo? Justo não é! O Estado é ineficiente porque gasta muito, e mal, os recursos que tem. Para comprovar o mau uso dos recursos públicos, basta pensar nas obras paradas, instalações sem uso, viagens desnecessárias, propaganda governamental e políticas e programas sem resultados práticos além de garantir votos para os governos. E, por gastar mal, faltam recursos onde são mais necessários e em intervenções que de fato precisam do Estado. É também ineficaz porque, mesmo onde é eficiente, suas ações não alcançam os objetivos propostos, não têm força para mudar o status quo. Mitiga a pobreza sem resolver, varre a poeira para debaixo do tapete e empurra para a frente os problemas sem desobstruir os gargalos estruturais da competitividade. Finalmente, juntando todos estes is, aparece a irracionalidade, que reflete a falta de planejamento, a incapacidade para ordenar ações numa sequência lógica, definir prioridades para resolver problemas e alcançar metas claras e objetivas. Como todos estes is se autoalimentam e se potencializam, usei o i6, e não um simples somatório de is. O que mais me espanta é que estes temas - levantados por algumas lideranças de forma isolada - não estejam na agenda das oposições, que parecem tão subordinadas aos interesses organizados que sustentam estes is quanto o próprio governo.* Antônio Márcio Buainain é professor de economia da Unicamp

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