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O improvável enfrentamento da corrupção

Por Everardo Maciel
Atualização:

Na pauta, ainda relativamente difusa, das manifestações de rua ganha destaque a repulsa à corrupção, principalmente em razão da sequência de notícias que fazem parecer que o País regrediu à barbárie, sendo o Estado assaltado de forma sistêmica e contínua. Como reação ao clamor popular, foram anunciados pacotes anticorrupção. Gilson Dipp, ministro aposentado do STJ, em entrevista ao Correio Braziliense (22/3), ponderou que esses pacotes constituem leis de ocasião, apenas para dar uma satisfação à sociedade; as medidas propostas são iniciativas requentadas; e não é a gravidade da pena que impede a prática do delito. Corrupção é fenômeno complexo e oportunista. Seu enfrentamento requer atitude permanente, envolvendo a adoção de medidas efetivas e simbólicas. Caso permaneçam as causas que dão ensejo à corrupção, nenhuma legislação será eficaz. No plano simbólico, o Estado precisa vestir-se com trajes da austeridade. É um escárnio a existência de 39 ministérios, constituídos meramente para abrigar pouco virtuosas postulações políticas. A publicidade oficial devia limitar-se a campanhas públicas educativas, abdicando das peças autolaudatórias e narrativas mitomaníacas de exclusivo interesse político-partidário. No âmbito das medidas efetivas, uma questão central é a ocupação dos cargos de direção na administração pública. A vedação ao nepotismo foi um avanço. Nada se fez, entretanto, para prevenir o afilhadismo. O afilhado tem compromisso apenas com o padrinho (político ou organização política), nunca com o Estado. Antes, os apaniguados faziam pequenos favores. Mais adiante, a prática evoluiu para entrega de parte dos honorários da função comissionada ao partido patrocinador da indicação. Hoje, são entregues parcelas de contratos celebrados com a administração pública. Não são desarrazoadas indicações de partidos para o exercício de funções políticas no Executivo. Mas funções técnicas deveriam ser reservadas a servidores, selecionados por critérios meritocráticos estabelecidos em lei. É ingenuidade supor que a corrupção se tenha limitado à Operação Lava Jato. Não seria a hora de instituir um programa sério e transparente de apuração de presumíveis irregularidades nos setores elétrico e rodoviário, fundos de pensão, etc.? Será que devemos continuar na dependência de incidentes para iniciarmos investigações? É deplorável a destinação de cerca de R$ 900 milhões ao Fundo Partidário, cujas verbas são utilizadas, muitas vezes, em proveito próprio dos "donos" de partidos ou para um ridículo proselitismo. A propósito, até hoje inexistem regras para fiscalizar e aprovar as contas dos Fundos Partidários. O orçamento público é território conhecido da corrupção, aqui e alhures. Hoje sujeito a regras completamente obsoletas, o Orçamento, no Brasil, possibilitou o aperfeiçoamento contínuo da vilania das emendas parlamentares. Em tese, a participação dos parlamentares na aprovação do Orçamento é inerente à democracia. Na prática, todavia, não é bem assim. As emendas, frequentemente, estão associadas ao financiamento ilícito de campanhas eleitorais e a favorecimentos pessoais, o que implica, quase sempre, corrupção, como atestam seguidos exemplos desde o escândalo dos "anões" do Orçamento. Além disso, propiciam lamentáveis barganhas com o Executivo, que "jabuticaba" do orçamento impositivo não conseguirá evitar. É indispensável empreender a reforma orçamentária, cuidando, ao menos, das regras concernentes à previsão das receitas e à inserção de emendas nos programas orçamentários. Também se inscrevem no rol de medidas para enfrentamento da corrupção o disciplinamento dos lobbies, a revisão da Lei de Licitações, o financiamento privado de campanhas eleitorais, o restabelecimento da competência da Receita para proceder à suspensão de imunidade tributária dos partidos políticos (suprimida à época das investigações do mensalão), etc. Enfim, uma tarefa árdua e pouco provável. *Everardo Maciel é consultor tributário e foi secretário da Receita Federal (1995-2002) 

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