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‘O LEVY APOSTA NA MÁGICA DA CONFIANÇA’

Economista diz que ajuste fiscal sem crescimento é igual a ‘enxugar gelo’

Por Vinicius Neder/RIO
Atualização:
José Luís Oreiro, professor do Instituto de Economia da UFRJ Foto: Fábio Motta/Estadão

O economista José Luís Oreiro, professor da UFRJ, está pessimista com a economia. Segundo ele, é possível que o Produto Interno Bruto (PIB) de 2016 seja negativo, depois de recuar 2,5% neste ano, conforme projeção do Grupo de Conjuntura do Instituto de Economia da UFRJ.

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Da ala dos economistas desenvolvimentistas e presidente Associação Keynesiana Brasileira, Oreiro defendeu a importância de políticas que restaurem a competitividade externa da indústria. “De onde virá a recuperação em 2016? Não vai ser consumo, não vai ser gasto do governo, não vai ser de exportações, porque não estamos restaurando a competitividade.”

Para o economista, o destaque entre as medidas pró-competitividade deveria ser uma mudança no câmbio, com uma alta maior do dólar. “Se deixar a recessão seguir seu curso natural, aumentar o desemprego bastante, os salários vão se ajustar em algum momento. Agora, é possível acelerar o ajuste fazendo a desvalorização do câmbio.” Leia a seguir a entrevista de Oreiro ao Estado:

Em seis meses, as avaliações sobre a economia pioraram bastante. Economistas de instituições como Bradesco e Itaú já esperam retração da economia em 2016. Há motivos para tanto pessimismo? Há muito tempo venho insistindo que o problema de crescimento brasileiro é estrutural. Independente dos erros de política econômica, há um problema crônico de desindustrialização, que nos últimos anos se acentuou muito. Para um País de renda média, como o Brasil, quando a indústria não cresce, é impossível a economia crescer a taxas mais robustas. Esse problema estrutural já geraria uma taxa muito baixa de crescimento. Somaram-se a isso duas outras coisas. O aperto da política monetária, a partir do segundo semestre de 2013, e, depois, os reflexos da incerteza causada pela Operação Lava Jato e pela crise política. Isso paralisou o resto do investimento que poderia ser feito na economia.

A indústria não cresceu no processo de reação à crise de 2008 e 2009? Houve um crescimento razoável da produção industrial, mas foi nesse período que as sementes da estagnação que a gente vive foram plantadas. De 2000 a 2004 houve ganho de competitividade, que veio tanto da desvalorização do câmbio quanto do crescimento da produtividade acima dos salários. O custo unitário do trabalho (CUT, calculado pela razão entre os custos do trabalho e o nível de produção) cai entre 2000 e 2004. Nesse período, a indústria teve um boom de investimento e modernização, que permitiu alavancar o crescimento mais ou menos até o fim da década. O problema é que com a apreciação cambial muito forte a partir de 2005 e, portanto, com a elevação do custo do trabalho (em dólares), houve perda de competitividade e os investimentos em modernização dos equipamentos não foram feitos. Aí veio o último tiro, que foi, a partir de 2010, a situação de quase pleno emprego. Os salários começaram a subir com muita força.

As causas do problema são erros de política econômica ou fatores externos? É um erro de modelo econômico. O modelo econômico escolhido pelo PT foi de crescimento puxado pelo consumo, com basicamente dois vetores para estimular o crescimento: a política de valorização do salário mínimo e a expansão do crédito. Esses vetores puxaram o aumento do consumo. Dado que você vinha de uma economia que tinha em desemprego muito alto em 2003, o aumento do consumo conseguiu gerar uma expansão significativa da economia, num contexto em que a restrição externa foi relaxada pelo boom de commodities. O erro foi que eles não perceberam que, ao longo do tempo, o modelo deteriorava a competitividade da indústria. Quando se combina um modelo de crescimento puxado pelo consumo com um boom de commodities, haverá apreciação do câmbio com aumento dos salários acima da produtividade. 

No primeiro mandato do governo Dilma houve uma tentativa de interromper a apreciação do câmbio e adotar medidas pró-competitividade, como a desoneração da folha de pagamentos. Por que não deu certo? Aí entra o erro de política econômica. O regime macroeconômico que a Dilma tentou implantar era inconsistente. Ele tinha dois objetivos, manter a inflação razoavelmente constante, em torno de 5% ao ano, ao mesmo tempo em que fazia uma desvalorização controlada do câmbio para recuperar a competitividade da indústria. O problema é que, como as políticas de indução do aumento de salários foram mantidas, não tinha como alcançar esses objetivos simultaneamente. Para desvalorizar o câmbio e manter a inflação estável, seria preciso combinar duas políticas: do lado fiscal, fazer uma contração mais forte, e, segundo, adotar algum mecanismo de moderação salarial, tentar fazer com que os salários não crescessem mais rapidamente do que a produtividade. A regra de reajuste do mínimo, institucionalizada no governo Dilma, vai contra isso. Como o regime era inconsistente, enquanto a inflação permitia, desvalorizou-se o câmbio. Foi o que o governo fez em 2012, mas, quando a inflação começou a acelerar a partir de 2013, interrompeu o processo de ajuste no câmbio para tentar segurar a inflação. Foi o que chamei de efeito “biruta de aeroporto”.

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O desequilíbrio das contas públicas é consequência ou causa dos problemas? A deterioração fiscal decorre de várias coisas. Primeiro, das medidas de desoneração, que foram uma tentativa de fazer o ajuste da competitividade sem desvalorizar o câmbio. Não funcionou por uma razão muito simples: embora tenha havido alguma recuperação de margem de lucro, os empresários não estavam confiantes de que poderiam ser capazes de competir, tanto no mercado interno quanto internacional, com a produção vinda de outros países. Simplesmente usaram a redução de impostos para aumentar um pouco a margem sem acréscimo adicional de investimentos. Faltou ao governo exigir contrapartida. A desoneração deveria ter sido mais bem negociada. Depois, você teve um pouco de ciclo político em 2014, mas isso todos os governos fazem. Um terceiro motivo é que, no finalzinho de 2014, você já começa a pegar a recessão. A receita (pública) cai muito rápido.

O que determina mais a situação atual? Os erros ou a questão estrutural? É difícil fazer uma avaliação de quanto por cento é um, quanto é outro. Mesmo que você não tivesse tido os erros de política econômica, o País estaria crescendo pouco, mas não estaria num quadro recessivo. Você poderia ter mais investimento em infraestrutura, isso seguraria mais a economia. Talvez, se não tivesse tido esse regime macroeconômico inconsistente do governo Dilma, teria sido possível recuperar uma parte da competitividade perdida na década passada e isso teria ajudado um pouco a sustentar a produção da indústria via exportação. Talvez a gente estivesse numa situação melhor.

Qual o cenário para 2016? Não vamos ter crescimento em 2016. É possível que (o PIB) seja negativo. Por que sou pessimista? Como não estou vendo nenhum ajuste de competitividade na economia, a relação entre câmbio e salário não se mexeu, não tem perspectiva de crescimento. Como não tem perspectiva de crescimento e continuam as políticas monetária e fiscal de contração, com o desemprego aumentando e, portanto, a massa salarial caindo, gerando queda no consumo, de onde virá a recuperação em 2016? Não sei de onde. Não vai ser consumo, não vai ser gasto do governo, não vai ser exportações, porque não estamos restaurando a competitividade. O (ministro da Fazenda, Joaquim) Levy aposta na mágica da confiança, ou seja, vamos restaurar a confiança com o ajuste fiscal e aí os investimentos privados vão vir. Vão vir por quê? O empresário investe com objetivo de vender, não é porque confia no ministro. Ele precisa de demanda e de onde virá essa demanda? De lugar nenhum. Se a gente fizesse o ajuste de competitividade, a demanda poderia vir do setor externo.

Como o sr. vê os ajustes na política econômica? A composição está errada. A política fiscal ainda é frouxa, com uma política monetária extremamente apertada. O ideal era ser ao contrário. Agora, por que não temos hoje condições de fazer um ajuste fiscal de magnitude? Primeiro, a nossa carga tributária já é muito elevada, está chegando a uma taxa de 40% do PIB, então, fazer um ajuste fiscal via aumento de imposto, que foi o que o presidente Fernando Henrique Cardoso fez (no segundo mandato, a partir de 1999), teria que ser muito bem negociado, teria que ter apoio do Congresso, e a presidente Dilma, infelizmente, não tem. O segundo ponto é que a nossa economia hoje está num quadro fortemente recessivo. 

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É preciso deixar o dólar subir? O ajuste que você precisa fazer é na relação entre câmbio e salário. Você pode fazer isso com uma desvalorização do câmbio (alta do dólar) ou com uma redução dos salários. Se deixar a recessão seguir seu curso natural, aumentar o desemprego bastante, os salários vão se ajustar em algum momento. Agora, é possível acelerar o ajuste fazendo a desvalorização do câmbio. Sem mudar a relação entre câmbio e salário, você não consegue retomar o crescimento, e sem retomar o crescimento é ajuste fiscal enxuga-gelo. É que nem o caso da Grécia. Para a gente fazer um ajuste fiscal mais forte, a gente teria que dar uma pancada na taxa de câmbio.

Qual deveria ser a cotação do dólar para restaurar a competitividade? As estimativas que tenho apontam para um câmbio nominal de, no mínimo, R$ 3,50.O que a inflação nos diz sobre os desequilíbrios da economia? Vamos ter recessão com inflação em torno de 9%. Essa inflação de 9% tem muito de realinhamento de preços relativos, principalmente energia e combustíveis. Isso foi um grande erro de política econômica do governo da Dilma, ter tentado segurar a inflação com controle dos preços administrados.

O aumento dos juros está além da conta? Está completamente além da conta. O Banco Central (BC) vem insistindo na estratégia de fazer a inflação convergir para o centro da meta no fim de 2016. Como a gente vai ter uma inflação este ano próxima de 9%, isso significa que o BC quer reduzir a inflação à metade em um ano. Dado o grau de inércia da economia, isso só vai ser possível com um aumento muito significativo da taxa de desemprego. E, para isso, usa uma dosagem de juros muito forte. Qualquer desinflação gera aumento do desemprego. Não consigo fazer isso de outra maneira. Só que tudo depende da velocidade com que você quer que a inflação caia. Quanto mais rápido, mais recessão, mais desemprego terá que gerar.

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QUEM É

Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com mestrado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutorado em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ. José Luís Oreiro é presidente da Associação Keynesiana Brasileira e já publicou mais de 60 artigos sobre economia em revistas científicas do Brasil e do exterior.

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