O que é deflação e por que a queda de preços pode não ser bom sinal

A queda de preços pode representar desaceleração da economia; especialistas divergem sobre causas do fenômeno e alertam para riscos a longo prazo

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Por Ana Luiza de Carvalho
5 min de leitura

O mês de setembro registrou deflação de 0,04%, segundo dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado nesta quarta-feira, 9, pelo  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado foi o menor para o mês de setembro desde 1998, quando o IPCA foi de -0,22%.

Deflação representa queda nos preços e pode incentivar o consumo imediato, mas a longo prazo acaba agravando a recessão econômica já existente Foto: Maira Vieira / Estadão

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Embora represente uma queda momentânea nos preços, a deflação pode ser um sinal de alerta para problemas estruturais da economia e também pode se tornar um fator para a desaceleração do consumo já existente.

Entenda o que é deflação e por que o fenômeno é perigoso se continuar a se repetir por um prazo mais longo: 

 

O que é deflação e quais as suas causas

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De acordo com o mestre em Economia e professor do Insper Otto Nogami, a deflação ocorre quando há uma queda generalizada de preços e se trata de uma ‘tendência recessiva’. O fenômeno não deve ser confundido com a queda da inflação: enquanto em cenários de menor inflação o índice sobe em velocidade mais lenta, durante a deflação a variação é negativa - ou seja, os preços caem de fato.  A inflação no mês de abril de 2019, por exemplo, foi de 0,57%. Em maio, o índice despencou para 0,13%. Isso não significa que houve queda nos preços: eles apenas subiram em ritmo 0,44 ponto porcentual mais lento. Não é o mesmo cenário observado em setembro, quando o IPCA ficou 0,04% abaixo de zero, indicando retração. O momento em que é possível cravar uma situação de deflação, porém, gera polêmica entre os especialistas. A situação deste mês de setembro, por exemplo, é um ponto de impasse. Para o economista Alexandre Amorim, sócio da consultoria Par Mais, o recorte temporal é muito curto para determinar uma retração. “Precisa de um índice bem mais consistente, a inflação está baixa, mas nos últimos 12 meses está variando positivamente entre 3% e 4%”, observa. Amorim defende que, com o avanço da tecnologia e da produtividade, a tendência é de queda nos preços no cenário internacional. “No mundo inteiro os patamares estão mais baixos, o fenômeno não é um privilégio nosso”, afirma. Para o economista, a queda da inflação deve ser sintoma de alerta, mas ainda não é possível traçar um panorama de recessão a nível mundial ou mesmo no Brasil.

Ele sugere ainda que o índice não seja analisado de forma isolada. De acordo com Amorim, a perspectiva de crescimento da economia brasileira deve se manter nos próximos meses. “O crescimento está acontecendo em ritmo lento, mas está acontecendo. O desemprego está caindo e a massa salarial aumentando, são números positivos. Temos bons níveis de consumo, há expectativa de grande volume de compras no Dia das Crianças”, observa.

Essa também é a visão de André Braz, coordenador do IPC do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre). Para ele, o resultado do mês de setembro não significa necessariamente que esteja em curso uma mudança no mercado brasileiro. Braz defende que o índice de -0,04% representa uma retração pouco robusta. "O resultado geral do índice é muito próximo de zero, que indica mais estabilidade do que um número exatamente negativo. Então, não é generalizado, não é preocupante", diz.

O economista explica que o índice foi puxado principalmente pelo setor de alimentação e que a deflação é caracterizada por uma queda expressiva em todos os setores que compõem a cesta de produtos do IPCA. "Por isso usamos núcleos de inflação e várias medidas, porque da mesma forma que a alimentação pode ter influenciado um número negativo, pode influenciar um número positivo. Não indica uma necessidade de mudança na política econômica" , afirma Braz.

Já para Otto Nogami, o resultado reflete uma tendência de retração brasileira que vem sendo notada há meses pelos economistas. O fato de o registro ter ocorrido justamente no mês de setembro, para o especialista, é um indicativo ruim. "É um dado que chama atenção porque naturalmente é uma época em que os preços voltam a subir pela proximidade com o final de ano e o aumento da demanda. Se eventualmente os preços não voltarem a subir nas próximas semanas, realmente denota uma situação extremamente preocupante", afirma.

Por que a deflação pode não ser boa

Embora represente um incentivo ao consumo a curtíssimo prazo, a deflação não deve ser vista como um sinal positivo na economia. De acordo com Otto Nogami, o fenômeno é um sintoma de que o mercado enfrenta um período difícil. “Assim como a inflação não é boa, a deflação também denota uma anomalia”, afirma. Nogami explica que, de forma pontual, a deflação pode significar que a população está com um nível de confiança baixo na economia e, por isso, prefere poupar dinheiro do que consumir. 

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Outra possibilidade é que o poder de compra dos consumidores tenha caído tanto, seja por perdas salariais ou desemprego, que eles não conseguem mais arcar com os custos de produtos que antes eram rotineiros. Para o professor, esse fator pode explicar a queda dos gastos com alimentação.

“É uma mudança de hábitos do consumidor. A alimentação fora de casa teve nos últimos meses uma queda expressiva, essas pessoas estão dando preferência a levar marmitas ou alguma alimentação de valor agregado mais baixo, o que é um grande problema”, afirma Nogami. Embora os gastos com alimentação fora de casa tenham crescido entre 2017 e 2018, de acordo com dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, o recorte é diferente para os mais pobres. As famílias com rendimentos mais altos gastaram 15,3 vezes mais do que as famílias mais pobres com alimentação fora de casa.

Além disso, quando a deflação é analisada a médio e longo prazos, ela pode trocar de papel e deixar de ser sintoma para ser fator da recessão econômica. Alexandre Amorim explica que, em meio à queda de preços, a economia pode acabar congelando. "O grande problema de uma deflação é as pessoas optarem por consumir mais para frente porque sabem que os preços vão estar mais baixos, o que diminui a demanda e faz os preços caírem mais ainda. Isso acaba gerando mais um ciclo vicioso", explica.

Com a desaceleração do consumo, Amorim ressalta que os efeitos podem ser devastadores: com menor perspectiva de lucro, as empresas cortam salários e deixam de contratar, agravando o ciclo de recessão e desemprego.

Para os especialistas, o caminho para evitar a recessão é tortuoso mas já é conhecido: retomada dos investimentos públicos para aumentar a confiança na economia. “A política monetária é o único mecanismo para reverter essa situação, e o governo não pode perder o controle dela. É preciso resgatar a confiança do consumidor e do empresário, para que se volte a investir e gerar mais renda”, afirma Otto Nogami.

Essa também é a opinião de Alexandre Amorim, que ressalta a importância do consumo. "O governo tem que estimular crédito e consumo, colocar mais dinheiro no mercado e continuar com a política de juros baixos para manter o dinheiro em circulação", recomenda.

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