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O que fica

São maduras as raízes da turbulência econômica que abala o País, há anos em ação sobretudo no resultado das contas públicas e no ambiente produtivo, na contramão do equilíbrio fiscal e na esteira de intervenções estatais em negociações de mercado. Não se trata mais de comprovar a obviedade de escolhas mal feitas.

Por Christian Travassos
Atualização:

O problema é que, se urge trazer à tona uma agenda propositiva, falar em soluções para o imbróglio nos coloca na fronteira entre o possível e o desejável, um desconforto que restringe ainda mais o espaço para o otimismo. Assumindo esse risco, cabe elencar alguns pontos para os quais não restam tantas dúvidas de que amadurecemos, de que avançamos. Afinal, o que fica?

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O interesse do brasileiro pelo debate, pelo passo a passo dos embates políticos em curso sobretudo nos últimos dois anos, parece ser algo que veio para ficar. Sempre ouvi dizer que carecíamos desse engajamento, que em outros países era diferente, que o brasileiro não tinha interesse e outras verdades seculares nessa linha. Não mais.

Se, por um lado, dicotomias como esquerda x direita, mortadelas x coxinhas, anti-isso, pró-aquilo empobreceram muitas vezes o debate, num maniqueísmo de dar nos nervos – ou sono –, fato é que o envolvimento extraordinário de brasileiros de todas as idades, credos e ideologias no debate político merece reconhecimento. Se há algo que preocupa a classe política é a insatisfação de seus eleitores. Se essa insatisfação ganha em concretude, organização e objetividade, a ponto de ser decisiva no impeachment de uma presidente da República, está claro que aqui houve avanço.

Um dos principais veículos desse engajamento, decerto o mais simbólico, entra no rol do que se decantar em meio à crise: o acesso crescente do brasileiro à internet. O porcentual de residências no País com acesso à web passou de 6%, em 2004, para 37%, em 2014, segundo a Pnad/IBGE. Ao mesmo tempo que se evidencia avanço significativo em uma década, esboça-se uma expansão ainda maior por vir.

Essa transformação na forma de o brasileiro se comunicar é também uma revolução na maneira de a informação circular, na velocidade dessa informação, o que aqui nos abre outro ponto a destacar. Não apenas a informação circula mais rapidamente, mas o País tem hoje instrumentos para ampliar a qualidade dessa informação. A Lei da Transparência e a Lei de Acesso à Informação ainda precisam vingar em muitas prefeituras e órgãos públicos, mas são instrumentos sem volta e têm contado com a cobrança do Ministério Público Federal (MPF) para seu cumprimento.

Desnecessário, a propósito, apontar a maturidade alcançada pelos órgãos de controle brasileiros nesse período turbulento. Não fossem sua independência e profissionalismo, não haveria prosperidade da Lava Jato, operação sem precedentes no País. Também na esfera legal, cabe destacar o aprimoramento da delação premiada a partir de 2013, com resultados amplamente conhecidos hoje pelos brasileiros. Além disso, pesa favoravelmente nesse balanço recente a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de fevereiro último de permitir o cumprimento de pena de prisão após condenação por tribunal de 2.ª instância.

Por fim, mas não menos importante, estão alguns consensos na seara econômica. O predomínio de lideranças político-partidárias em posições dependentes de competência técnica perdeu força, o que se viu nas escolhas feitas para o comando da Petrobrás e do BNDES, bem como para o Ministério da Fazenda e Banco Central. Há, acima de tudo, a valorização inconteste do controle das contas públicas e da inflação. Se a crise profunda por que passa o País deixa uma lição aos dirigentes de Brasília é que não compensa abusar de premissas básicas da macroeconomia; que tolerar desequilíbrios no campo fiscal e “um pouquinho de inflação em prol do crescimento” cobra um preço bastante alto ao mandatário. A Lei de Responsabilidade Fiscal e o Sistema de Metas de Inflação saem fortalecidos dessa crise. E isso é bom. Isso é muito bom.

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*Economista (PUC-Rio), é mestre em Ciências Sociais (CPDA/UFRRJ)

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