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O risco chinês

No primoroso livro Por Que As Nações Fracassam, de Daron Acemoglu e James Robinson, a tese central é que o crescimento econômico sustentável não pode prescindir de regimes democráticos que criem instituições políticas inclusivas. Sem elas, a capacidade de inovação dos agentes econômicos é tolhida pela classe detentora de poder político e econômico, que age dessa forma para não perder seus privilégios. Desse modo, o verdadeiro motor do crescimento sustentável de longo prazo, a destruição criativa, não funciona.

Por Claudio Adilson Gonçalez
Atualização:

Apesar disso, há muitos exemplos de nações com sistemas políticos extrativos (ao contrário de inclusivos), que registraram longos períodos de crescimento econômico, mas que, mais cedo ou mais tarde, entraram em decadência. O caso mais notório é o da extinta União Soviética, que experimentou várias décadas de crescimento acentuado, graças ao esforço governamental na industrialização, particularmente em armamentos e indústria pesada. O comunismo, entretanto, impediu o desenvolvimento da inovação e da modernização da economia, como ocorre nos regimes de livre mercado. Ou seja, não existia a destruição criativa. Isso acabaria por minar o crescimento e desmanchar o próprio império soviético.

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Há marcantes diferenças entre a extinta União Soviética e a China da atualidade. No entanto, também há perigosas semelhanças. É verdade que ocorreram inegáveis avanços na direção de tornar o sistema econômico mais inclusivo, graças às reformas iniciadas por Deng Xiaoping, que esteve à frente do governo do país entre 1976 e 1997. Apesar desses esforços, a China ainda é uma ditadura de partido único e seu sistema político não oferece as condições ideais para o crescimento sustentado, baseado nas forças do livre mercado. Empresários ainda são expropriados quando se aventuram em negócios que contrariam os interesses do Partido, há fortes restrições para mobilidade de mão de obra, não há imprensa livre, nem mesmo em mídia eletrônica, e o direito de propriedade é bastante limitado. Em síntese, ainda há forte conexão entre negócios e o Partido.

É sabido que o modelo econômico chinês, que propiciou notável crescimento nas últimas três décadas, se esgotou. É necessário ampliar a participação do consumo na demanda agregada e fortalecer o papel do mercado, em detrimento do planejamento central. Esse é o programa de reequilíbrio no qual o governo está empenhado. No entanto, com o sistema político que acabamos de descrever, tal tarefa está longe de ser trivial.

Além disso, o poder político não está nas mãos apenas do premier Li Keqiang e da cúpula do partido comunista. "Não pense apenas no governo central ao considerar as políticas econômicas chinesas", diz John Zhao, diretor-presidente da Hony Capital, empresa de private equity de Pequim. "A China tem cerca de 30 províncias e cidades poderosas e elas administram suas próprias políticas econômicas."

A principal característica do modelo chinês é a baixa remuneração das poupanças das famílias depositadas nos bancos estatais e o direcionamento desses recursos para o financiamento subsidiado do investimento. Com isso, o consumo privado caiu de 65% do PIB, em 1971, para 34% do PIB, em 2013. No mesmo período, a formação bruta de capital fixo (investimento), também como proporção do PIB, se elevou de 17,5% para 47,3%. Investir tanto e consumir tão pouco geram inevitavelmente grandes excedentes exportáveis, que o mundo não tem mais capacidade para absorver.

Há enorme capacidade ociosa em vários setores da economia. O destaque é o setor siderúrgico, mas o problema também está presente na metalurgia, na química, no setor imobiliário e até mesmo em indústrias de bens de consumo. O governo central tenta contornar a situação apertando o crédito para esses segmentos. Ao fazer isso, porém, corre o risco de provocar uma desaceleração brusca da economia, o que seria desastroso.

Outra vulnerabilidade, destacada no relatório denominado Artigo IV, do Fundo Monetário Internacional (FMI), que acaba de ser divulgado, é o crescimento explosivo do crédito. A dívida do setor privado chinês passou de 100% do PIB, em 2008, para 150% do PIB, no final de 2014. Se adicionarmos as dívidas do setor público em todas as suas instâncias e dos Veículos de Financiamento dos Governos Locais (VFGL), a dívida do setor não financeiro chinês, o chamado Financiamento Social Total, subiu de 150% do PIB para 250% do PIB, no mesmo período.

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Parte expressiva desse crédito foi gerada fora do sistema bancário formal, ou seja, por instituições que não possuem conta de reservas no Banco Central e tampouco estão sujeitas a limites de alavancagem. Assim, é difícil de avaliar o risco de crédito chinês, mas se sabe que é bastante elevado em alguns segmentos. Dado que a taxa de retorno dos novos investimentos será cada vez menor, se o governo não for bem-sucedido em conter o crescimento da formação bruta de capital fixo, haverá aumento da inadimplência, podendo até mesmo resultar em crise de crédito em larga escala.

No front fiscal, ainda há margem de manobra, mas a situação é cada vez menos tranquila. Por um lado, o governo necessita ampliar seus gastos na produção de bens públicos e na melhoria da seguridade social, de forma a reduzir a poupança e estimular o consumo das famílias. Por outro lado, o déficit público ampliado (que inclui os VFGL) já é de 10% do PIB (2014), segundo estimativas do FMI.

Nada do que se disse até aqui é novidade para as autoridades chinesas. O governo parece firmemente comprometido em levar avante o programa de reequilíbrio e vem registrando progressos, o que foi claramente reconhecido na recente avaliação do FMI. No entanto, como procurei demonstrar, os riscos não são desprezíveis. Indicadores recentes sinalizam desaquecimento mais rápido do que seria desejável, houve o estouro da bolha no mercado acionário, o câmbio passa por forte volatilidade e as cotações das commodities continuam ladeira abaixo.

Dados os fortes laços de nossa economia com a China, esse é mais um fator de incerteza para o já conturbado cenário econômico brasileiro.

* Claudio Adilson Gonçalez é economista e diretor-presidente da MCM Consultores. Foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da assessoria econômica do Ministério da Fazenda

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