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Obras paradas abrem buracos na infraestrutura brasileira

País começa a retomar projetos interrompidos pela crise econômica e pelo impacto da Lava Jato nas grandes empresas de construção; situação do setor foi tema de Fórum Estadão realizado no dia 13

Por Renée Pereira
Atualização:

Na lista de prioridades do governo federal para tentar turbinar o crescimento econômico, o setor de infraestrutura vive o caos. De norte a sul do País, milhares de obras estão paradas, e algumas delas sem perspectivas de serem retomadas. Hoje, o maior desafio do setor é evitar que esses empreendimentos se transformem em grandes esqueletos Brasil afora e causem ainda mais prejuízos para os cofres públicos e para a população.

Nos últimos três anos, o setor passou por uma avalanche de problemas. Ao mesmo tempo que o governo perdia capacidade de investimento por causa da crise econômica, a Operação Lava Jato, da Polícia Federal, avançava sobre as gigantes da construção, responsáveis pelas maiores obras do País. Com o esquema de corrupção escancarado, o crédito secou para as empresas, que tiveram dificuldade para manter os investimentos. Muitas obras, com irregularidades confirmadas, foram interrompidas e ainda são uma incerteza.

Obra da Linha 6 do Metrô de SãoPaulo está parada há 1 ano Foto: Rafael Arbex/Estadão

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Para tentar resolver o problema, o governo federal lançou em novembro o programa Avançar, que prevê investimentos de R$ 130 bilhões para concluir mais de 7 mil obras paradas até o fim do ano que vem. Os projetos estão espalhados por vários setores e incluem restauração e pavimentação de rodovias, expansão de ferrovias, escolas, construção de prédios públicos e saneamento básico.

Representantes do setor afirmam, entretanto, que embora seja uma boa notícia para o País, a execução do programa não é uma tarefa fácil. “A retomada de uma obra é sempre muito complexa, pois envolve a deterioração de serviços já feitos e de reajustes do contrato”, afirma o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins.

Parcerias. Outro ponto crítico é o fato de boa parte dos projetos serem feitos em parcerias com governos estaduais e municipais. A União é responsável apenas pelo montante definido no contrato original. Qualquer valor adicional tem de ser arcado pelos Estados e municípios, que também enfrentam uma grave crise fiscal e mal tem dinheiro para pagar o salário do funcionalismo público.

Um dos reflexos da paralisação de obras é o inevitável aumento dos custos numa retomada do projeto. Além de ter de refazer trabalhos já feitos por causa da deterioração, muitas vezes a volta ao trabalho envolve aditivos contratuais para mudar o escopo do projeto. As obras da Usina Nuclear de Angra 3, por exemplo, já pararam várias vezes ao longo de 33 anos. No momento, a interrupção se deve ao envolvimento das construtoras na Lava Jato. O projeto já consumiu R$ 7 bilhões e a conclusão deve exigir mais R$ 17 bilhões, o que ainda não está definido pelo governo.

As ontas da Unisna Nuclear de Angra 3 já pararam várias vezes ao longo de 33 anos Foto: Fabio Motta/Estadão

Megaempreendimentos da Petrobrás seguem a mesma linha. Desde a Lava Jato, a petroleira depende de terceiros para concluir projetos importantes. Alguns foram colocados à venda. Em outros, a companhia busca sócios para continuar as obras. Mas esse é outro ponto complicado. Fontes ligadas às negociações afirmam que os investidores não se sentem confortáveis para colocar dinheiro numa obra que já sofreu deterioração e há incerteza sobre a real necessidade de recursos para finalizar a construção.

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É o caso, por exemplo, da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados 3 (UFN 3), localizada em Três Lagoas (MS), colocada à venda. A construção foi interrompida em dezembro de 2014, com 80,95% de conclusão das obras. “Após as negociações, a expectativa é que as obras sejam retomadas pelo comprador”, diz a Petrobrás, em nota. No Complexo Petroquímico (Comperj), que está com 86% das obras concluídas e parado desde 2015, e na Refinaria Abreu e Lima, a empresa busca sócios para terminar só o que considera essencial (alguns projetos foram cancelados).

A venda também pode ser uma saída para a Hidrelétrica São Roque, parada há mais de um ano pela Engevix, empresa que também está na Lava Jato. O empreendimento está com 80% das obras concluídas. Até a paralisação, o projeto já havia recebido R$ 700 milhões de investimentos. Faltam mais R$ 300 milhões para concluir 20% das obras restantes. A usina está em negociação com um investidor estrangeiro.

Capital. Outro projeto que sofre os reflexos da Lava Jato é a Linha 6 do Metrô de São Paulo, orçada em quase R$ 10 bilhões. A obra foi paralisada em setembro de 2016 pelo consórcio Move São Paulo, formado pelas empresas Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC. Envolvidas no escândalo de corrupção, as empreiteiras não conseguiram fechar o financiamento com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para continuar a construção, que estava com 15% das obras executadas.

86% das obras do Comperj estão concluídas, mas complexo está parado desde 2015 Foto: Marcio Fernandes/Estadão

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O secretário de Transportes do Estado de São Paulo, Clodoaldo Pelissioni, explica que a chinesa China Railway Capital já fez uma proposta ao grupo brasileiro e tem até 8 de janeiro para apresentar um acordo com a japonesa Mitsui (que deve continuar no grupo) e com as empresas brasileiras. “Acredito que até março haja condições para retomar as obras”, diz o secretário. Sobre mudanças no escopo do contrato, como a alteração do prazo de conclusão da obra, ele afirma que, por ora, a data continuará sendo 2021. Ou seja, se a empresa não cumprir o prazo, será multada.

“Há um conjunto grande de obras paradas no Brasil inteiro, mas os dois maiores símbolos da paralisia dos investimentos são a Linha 6 do metrô de São Paulo e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). São dois desastres”, afirma o presidente da consultoria Inter.B, Claudio Frischtak.