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Os bárbaros batem à porta

O fundo de private equity 3G não levou a Unilever, mas seus métodos estão mudando a indústria de alimentos

Por The Economist
Atualização:

O investidor brasileiro Jorge Paulo Lemann não está acostumado a perder. No dia 17, a Kraft Heinz, cujo controle pertence a seu fundo de private equity 3G e ao megainvestidor americano Warren Buffett, anunciou ter oferecido US$ 143 bilhões pela fabricante de alimentos e artigos de higiene e beleza Unilever. O 3G já comprou diversas empresas no setor de bens de consumo. A cada aquisição, põe-se a cortar custos. Então sai em busca de alvos ainda mais parrudos. Mas a oferta pela Unilever surpreendeu pela ousadia: seria a segunda maior fusão da história. A surpresa não foi menor quando, dois dias depois, o negócio gorou.

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A Kraft Heinz contava dar prosseguimento reservadamente às negociações, mas a notícia acabou vazando. Ao que tudo indica, seus executivos subestimaram o apego da Unilever à sua cultura e à meta de buscar um crescimento “sustentável”, de longo prazo. Diante da pronta e peremptória negativa da gigante anglo-holandesa, restava ao 3G e a Buffett a opção não muito tentadora de fazer uma oferta de aquisição hostil por uma empresa reverenciada no mundo corporativo e fora dele. 

Foi um raro tropeço. Mas o episódio não aponta para o fim do modelo adotado pelo fundo de Lemann. Novos negócios virão. E a Kraft Heinz já está mudando a forma como a Unilever e outras concorrentes operam.

As coisas não andam fáceis para as grandes fabricantes de bens de consumo, que no passado figuravam entre as companhias mais estáveis do mundo. É cada vez maior o número de consumidores que buscam produtos a seu ver mais saudáveis, mais naturais ou “autênticos”. O comércio eletrônico fez surgir novos concorrentes. Em mercados de renda média, as companhias locais vêm ganhando terreno: no Brasil, segundo o banco de investimentos RBC Capital, O Boticário detém quase 30% do mercado de perfumes; na Índia, a Ghari Industries controla mais de 17% do segmento de detergentes e sabão para lavadoras de roupa.

As fabricantes de alimentos passam por uma mudança particularmente abrupta. Nos EUA, apesar de terem baixado os preços ao consumidor, as grandes companhias do setor sofrem com a queda no volume de artigos comercializados, observa Alexia Howard, da empresa de pesquisas de mercado Sanford C. Bernstein. Este mês, a General Mills e a J.M. Smucker reduziram suas projeções de faturamento. A Nestlé acaba de desistir de uma meta de vendas que se mostrou excessivamente ambiciosa: a gigante suíça passou quatro anos tentando atingi-la, sem sucesso.

Para enfrentar essas dificuldades, o 3G oferece uma solução simples: cortar custos e buscar fusões. Sua estratégia mais conhecida, o “orçamento base zero”, estabelece que, a cada ano que passa, os executivos têm de elaborar seus orçamentos a partir do zero, justificando todas as despesas que pretendem realizar. Depois de implementar o método numa empresa, o fundo adquire outra companhia e junta as duas. Lemann e seus sócios reuniram diversas cervejarias de grande porte para formar a Anheuser-Busch InBev. No ano passado, adquiriram a SABMiller, sua maior rival. A Kraft Heinz resultou de negócios que envolviam Buffett. Na última terça-feira, a Restaurant Brands International, dona do Burger King, também controlada pelo 3G, anunciou a aquisição, por US$ 1,8 bilhão, da rede de fast-food americana Popeyes.

A fama de inclemente do 3G vem, sobretudo, das milhares de demissões que o fundo promoveu nas empresas que controla. A Kraft Heinz fechou sete fábricas na América do Norte, impulsionando seus lucros. Mas, em quatro dos seis trimestres que se passaram desde a fusão das duas empresas, as vendas encolheram, levando água para o moinho dos que dizem que cortar custos restringe o crescimento.

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Cabeça de dono. Outros elogiam a perspicácia da estratégia. O 3G cultiva entre seus executivos uma “mentalidade de dono do negócio”, atrelando benefícios financeiros ao desempenho da empresa. A Kraft Heinz concentra sua atenção em marcas promissoras. Sempre que necessário, a companhia deixa definhar as linhas de produtos que não vão bem. Já a Unilever insiste em apostar em sua problemática divisão de margarinas, geleias e patês com o argumento de que a unidade continua a gerar receitas. A pressão para que a empresa se desfaça do negócio é intensa. Por outro lado, nem tudo são cortes na Kraft Heinz: a fabricante de alimentos pretende aumentar significativamente seus gastos com publicidade este ano.

A Unilever é considerada um exemplo de capitalismo responsável. Paul Polman, seu diretor executivo, afirma que os produtos que atendem a critérios mais elevados de sustentabilidade social e ambiental têm melhor desempenho. Por enquanto, porém, a companhia exibe uma margem de lucro operacional bem inferior à da Kraft Heinz, empresa que defensores da sustentabilidade no universo corporativo dizem não dar a devida atenção a questões como o uso responsável da água.

Apesar da diferença de cultura, a Unilever, assim como diversas outras empresas, começou a adotar algumas práticas da Kraft Heinz. No ano passado, por exemplo, a gigante anglo-holandesa submeteu alguns itens, como seus gastos com marketing, aos princípios do orçamento base zero. As americanas Kellogg, General Mills e Campbell Soup, todas fabricantes de alimentos, estão entre as que anunciaram decisões similares. Em janeiro, Polman disse querer que seus executivos se envolvam mais com a empresa, impulsionando a “mentalidade de dono do negócio” em sua cultura.

Alguns investidores pressionam a Unilever a aprofundar esse esforço. Na última quarta-feira, a companhia comunicou que pretende proceder a uma reavaliação abrangente de seu negócio, a fim de encontrar maneiras de “acelerar a entrega de valor”. Por seu turno, o 3G já deve estar à procura de sua próxima presa.

© 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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