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Para Bacha, Brasil sofre de 'doença holandesa'

Salário subiu mais rápido que os preços e isso estrangulou a indústria, diz economista no livro 'O Futuro da Indústria no Brasil'

Foto do author Raquel Landim
Foto do author Fernando Dantas
Por Raquel Landim , Fernando Dantas , SÃO PAULO e RIO
Atualização:

Nem os economistas ortodoxos parecem ter dúvidas de que está em curso uma "desindustrialização" no Brasil. A perda de relevância da indústria é tão grave que o País foi diagnosticado com "doença holandesa" - um mal que se abateu sobre a Holanda em 1960, quando o aumento do preço dos gás atraiu capitais e valorizou o câmbio, reduzindo a competitividade dos produtos manufaturados.O diagnóstico da "doença holandesa" é de Edmar Bacha - um dos "pais" do Plano Real - e está no livro O Futuro da Indústria no Brasil, da Editora Civilização, que chegou às livrarias na sexta-feira. O livro reúne artigos de economistas renomados, que participaram de dois debates na Casa das Garças, tradicional reduto tucano.Na introdução, Bacha e Mônica Baumgarten de Bolle, diretores da Casa das Garças, afirmam que os dados são "contundentes": a indústria de transformação teve seu auge no País em 1985, quando respondeu por 25% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa participação caiu para 15% em 2011 e pode ter chegado a 12% no ano passado. Bacha se debruçou sobre o período recente e concluiu que, entre 2005 e 2011, a "desindustrialização" foi uma consequência "natural" dos anos de "bonança externa", em que a explosão do preço das commodities e a condição de "queridinho" do mercado trouxeram uma "enxurrada" de capitais para o Brasil.O raciocínio do economista é mais sofisticado que a tese de que a culpa é do câmbio forte. Ele explica que a abundância de capitais permitiu ao brasileiro consumir mais, reduziu o desemprego a níveis muito baixos, especialmente no setor de serviços. "A doença holandesa está associada à bonança externa. Os salários subiram mais rápido que os preços. Isso estrangulou a indústria", disse Bacha.Competitividade. O fraco desempenho da indústria no Brasil nos últimos quatro anos tem como principal causa a piora da sua competitividade, segundo o capítulo escrito pelos economistas Beny Parnes, professor da PUC-Rio, e Gabriel Hartung, do banco BBM. Eles compararam o custo da indústria brasileira com Estados Unidos, Alemanha, Itália, Espanha, Japão, Coreia, Cingapura e Taiwan, entre outros países. No Brasil, entre 2006 e 2011, os salários médios em dólares cresceram 96% (14,4% ao ano), bem mais do que em todas aquelas economias. O segundo maior crescimento entre os países pesquisados foi o da Austrália, onde houve alta dos salários em dólares de 54% (9% ao ano).A disparada dos salários em dólares combinou-se com uma aumento da produtividade da indústria brasileira no mesmo período de apenas 9%, ou 1,7% ao ano - um ritmo similar ao das economias avançadas, mas muito inferior ao dos países asiáticos. Parnes e Hartung explicam que seria de se esperar que países em desenvolvimento, como o Brasil, tivessem crescimento da produtividade superior ao do mundo desenvolvido. Isso ocorre porque os emergentes podem rapidamente fazer o "catch-up" (eliminar a defasagem) em relação a tecnologias já conhecidas, enquanto os países ricos precisam necessariamente inovar para dar saltos de produtividade. No seu trabalho, os dois economistas fazem análises cuidadosas que indicam que nem a queda global da indústria nem problemas de demanda podem explicar completamente a parada industrial no Brasil nos últimos anos. Eles apontam que "é mais fácil obter avanços de produtividade no setor industrial", mas isso não está ocorrendo na velocidade desejada.A bonança externa reduziu a participação da indústria na economia brasileira, mas Sérgio Lazzarini, professor do Insper, e Marcos Yank, especialista em temas globais, estão longe de ver a especialização em commodities como uma "maldição" e querem acabar com o "mito" de que commodities são produtos de baixo valor agregado. Eles calculam que extrair minério de ferro gera R$ 507 mil de valor agregado por trabalhador, acima dos R$ 395 mil da metalurgia e dos R$ 238 mil do setor de equipamentos de informática.Remédio. Bacha não está otimista sobre o futuro da indústria no Brasil. Ele defende a adoção de uma política industrial, mas diferente dos modelos utilizados nos últimos anos. E receita um remédio amargo para o empresariado: mais abertura comercial."A solução é abrir a economia. O Brasil é apenas 3% do PIB global. Não é fechando o mercado que a indústria vai ganhar competitividade e comprar insumos mais baratos." A indústria não precisa produzir "tudo" e deve se especializar.

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