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Para economistas, BC pode entrar na ‘contabilidade criativa’

Adoção de depósitos remunerados sem uma mudança na relação com o Tesouro Nacional pode ‘maquiar’ a dívida pública

Foto do author Francisco Carlos de Assis
Por Alexa Salomão e Francisco Carlos de Assis (Broadcast)
Atualização:
 Foto: André Dusek|Estadão

SÃO PAULO - Boa parte dos economistas recebeu com desconfiança a criação de um novo instrumento de política monetária para o Banco Central (BC). Ao anunciar a opção, dentro do pacote fiscal, na última segunda-feira, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, disse que o instrumento pode ajudar a reduzir a dívida pública, que está numa trajetória de alta. Para especialistas da área, porém, dependendo da forma como for implantado, pode, na verdade, lançar uma nova modalidade de “contabilidade criativa” e “maquiar” a dívida pública.

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Ao anunciar a medida, o ministro Barbosa destacou que, se aprovada, ela não deve substituir as operações compromissadas. Seria mais uma opção para o BC. Mas a mudança tem, grosso modo, sutilezas que incomodam os especialistas. 

Hoje, para calibrar a quantidade de dinheiro no mercado, o Banco Central oferece títulos públicos, que são comprados principalmente por bancos, com o compromisso de recompra dos papéis, em prazos e mediante uma taxa de remuneração previamente acertados. Por causa desse “compromisso”, essas operações são chamadas de “compromissadas”. A proposta do governo, é reduzir esse tipo intervenção por outra, que dispensaria o uso do títulos públicos. O BC passaria a receber depósitos do bancos, com o compromisso de devolver o dinheiro em prazos e mediante uma taxa de remuneração previamente acertados – por isso eles têm o nome de depósitos remunerados.

“Na prática, seria a mesma operação, com a diferença de que não haveria o título público”, explica o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal e ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda. “Não vai ter problema se o governo, antes, mudar a relação que existe hoje entre o Banco Central e o Tesouro e também adotar o cálculo de dívida do Fundo Monetário Internacional, caso o contrário, a mudança pode maquiar a dívida pública”, diz Appy.

Para muitos economistas, BC e Tesouro têm hoje uma relação questionável, criada a partir dos ganhos e perdas gerados pelas oscilações cambiais das reservas internacionais, que são cotadas em dólar. Quando as reservas se valorizam, o BC repassa os “ganhos” ao Tesouro; na desvalorização, o Tesouro devolve a diferença ao BC em títulos da dívida pública. O BC não pode emitir títulos, então, guarda na sua carteira. Quando precisa, usa os títulos para calibrar o volume de recursos no mercado: vende com o compromisso de recompra, por meio de operações compromissadas. Essas transações fazem diferença no tamanho da dívida pública. 

Para o Fundo Monetário Internacional, não importa onde o título esteja: entra na conta da dívida. No Brasil é diferente: se o título está parado na carteira do BC, não conta na dívida. Vai ser contabilizado só quando estiver no mercado, numa operação compromissada. Nessa diferença reside a crítica dos economistas: se BC e Tesouro continuarem trocando dinheiro e títulos, o BC acumular os títulos na carteira, mas deixar de usar as compromissadas e atuar no mercado com os depósitos remunerados, os títulos vão ficar “escondidos”, dando a falsa impressão de que o País deve menos. 

Críticas. O ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC), Alexandre Schwartsman, classificou a proposta como “mais uma pedalada”. Schwartsman lembra que, na carteira de títulos do BC hoje já há algo em torno de R$ 1,3 trilhão ou seja, por fora, a dívida, pelo lado do BC, chegaria a R$ 1,03 trilhão. “Se for trocada compromissada por depósito, vai ser escondida uma dívida de mais de R$ 1 trilhão. Nada mais é do que mais uma pedalada do governo”, disse.

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O economista Gustavo Franco, ex-presidente Banco Central e sócio da Rio Bravo Investimentos, tem o mesmo receio. Para Franco, em princípio, “não é uma má ideia” a mudança. Porém, chamou a atenção para o fato de a operação ter o mesmo efeito das compromissadas na gestão de liquidez (oferta de dinheiro no mercado), mas não entra na estatística da dívida.

“Aí me desculpe, estamos fazendo uma pedalada, uma criatividade contábil. Se o BC está criando um passivo deste tipo, isso deveria constar da estatística de dívida. Quando você estiver com a autoridade, pergunte a ela: o senhor faria o depósito voluntário se ele contasse para a dívida pública? Aí vamos ver o que o ministro responde”, disse Franco.

Os cálculos do economista Marcos Mendes, consultor Legislativo do Senado, concluiu que o risco é real. Mendes fez várias simulações de impacto sobre a dívida. Os resultados foram a divulgados ontem, pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa, um artigo intitulado “Depósito remunerado no Banco Central: avanço institucional ou contabilidade criativa?” A conclusão: “Adotar os depósitos remunerados sem mudar o sistema de transferência de lucros do Banco Central ao Tesouro Nacional consistirá em mais uma medida de contabilidade criativa: os indicadores de dívida pública passarão a mostrar uma dívida menor que a dívida real”, diz o texto de Mendes.