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Patentes em xeque

Por Antônio Márcio Buainain
Atualização:

Matéria de capa da edição de 8 de agosto da The Economist questiona a utilidade das patentes e da propriedade intelectual (PI) em geral. O artigo sumariza um século de debate e de evolução da proteção aos ativos intangíveis vinculados à criatividade humana - cujo alcance, antes limitado às invenções e aos direitos de autor, vem sendo alargado e hoje inclui software, sequenciamento de DNA, seres vivos, processos produtivos, marcas, desenho industrial, cultivares, dentre outros. O sistema de PI concede, ao titular do ativo, o monopólio temporário para explorá-lo, configurando um prêmio e um incentivo àqueles que assumem os riscos e empenham capital para produzir inovações. O privilégio do monopólio deve ser equilibrado pelos benefícios que proporciona à sociedade, no presente - pela própria utilização da inovação - e no futuro, pela publicidade das informações contidas nas cartas de patentes - que podem ser utilizadas por outros para criar coisas novas - e pelo domínio público, uma vez expirado o prazo da concessão. A pergunta-chave da The Economist é: "Mas isto é verdade? (...) A evidência de que o atual sistema encoraja as empresas a investir em pesquisas que levam à inovação, aumento de produtividade e prosperidade geral é surpreendentemente fraca". Em contrapartida, as distorções do sistema são crescentes: as cartas de patentes são obscuras e escondem informações que deveriam beneficiar a sociedade. Em alguns países, o relaxamento do rigor na concessão vem abarrotando os escritórios de PI e a Justiça, ensejando disputas milionárias que elevam custos e não contribuem para melhorar o ambiente pró-inovação. A explosão de registros não se traduz em mais e melhores inovações e, na prática, vem criando mais insegurança jurídica do que protegendo os inovadores. Com exceções, registrar virou um negócio em si mesmo, mais utilizado para bloquear a inovação dos concorrentes, negociar licenciamentos, obter ganhos em processos legais do que para proteger inovações e estimular inovadores. Independentemente de como funciona e do quanto contribui e ou atrapalha a inovação, o sistema de PI é hoje peça central da economia globalizada e da Nova Economia. A maior parcela do patrimônio das maiores empresas do mundo, nos setores mais dinâmicos, é certamente composto de ativos protegidos pela PI. No comércio internacional a maior parte das sanções aprovadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) está relacionada à inobservância das regras de Trips. Por isto, de forma realista, The Economist considera esdrúxula a ideia de "simples abolição" do sistema, "que levanta problemas em termos da ética dos direitos de propriedade". E sugere várias possibilidades para reduzir as distorções e melhorar a eficácia do sistema, tanto para proteger como para promover a inovação. É um debate importante para a sociedade brasileira, cujo sistema envelheceu sem ter nunca se modernizado. O Inpi talvez seja uma das autarquias que menos evoluíram nos últimos 20 anos e que por isso carrega todo o peso negativo associado à administração pública. As principais carreiras não acompanharam a evolução observada em outros órgãos, produzindo desalento e elevada rotatividade entre os funcionários, notadamente os de qualificação elevada, como os examinadores de patentes e marcas. Concursos públicos não conseguem preencher as vagas, e apenas 40% dos aprovados em 2012 se apresentaram. O prazo médio para a concessão das patentes é de 10,9 anos. Os imbróglios e as indefinições institucionais em áreas-chave, como farmacêutica e agricultura, nas quais intervêm a Anvisa e o Mapa, persistem. Há poucos dias foi nomeado o 3.º presidente em 2 anos, certamente sem condições materiais para enfrentar os passivos estruturais e sem força política para liderar o debate em torno do assunto. E no Congresso tramita o PL 139/99, de reforma do sistema, ao qual foram apensadas 16 propostas, cuja análise revela o quanto estamos longe do que está ocorrendo no mundo, que já discute o contexto pós-patente. Nem só de ajuste fiscal vive a República. É preciso também pensar no que faremos quando a crise passar.* Antônio Márcio Buainain é professor de economia na Unicamp

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