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PIB de 2019 cresce 1,1% e frustra expectativas de retomada da economia

Analistas já chamam os anos 2010 de 'década frustrada' e movimento tende a se repetir este ano, em decorrência dos efeitos do avanço do novo coronavírus

Por Vinicius Neder , Daniela Amorim (Broadcast) e Denise Luna (Broadcast)
Atualização:

RIO - O crescimento de apenas 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB, valor de todos os bens e serviços produzidos na economia) em 2019, informado nesta quarta-feira, 4, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), frustrou, pelo segundo ano consecutivo, as expectativas de uma retomada mais firme da atividade econômica. O padrão se repetiu em vários anos desta década. Entre os economistas, já há quem chame os anos 2010 de “década frustrada”. O movimento tende a se repetir este ano, com os efeitos do surto do novo coronavírus como vilão da frustração.

Em 2019, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, a economia cresceu menos da metade do que projetavam analistas e economistas na primeira semana do ano passado - as projeções apontavam um crescimento de 2,53%, conforme as estimativas coletadas pelo Banco Central (BC) no Boletim Focus. O mesmo ocorreu em 2018. As projeções começaram o ano apontando para crescimento de 2,69%, mas o PIB acabou avançando apenas 1,32%.

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No ano passado, a expectativa era de uma aceleração da economia no último trimestre, mas os resultados acabaram ficando abaixo do esperado. No acumulado do ano, todos os setores tiveram crescimento baixo: a indústria cresceu apenas 0,5%, os serviços tiveram alta de 1,3% e a agropecuária também subiu 1,3%. O consumo das famílias aumentou 1,8%, enquanto o consumo do governo caiu 0,4%. A taxa de investimentos (formação bruta de capital fixo) subiu 2,2%. Em valores correntes, o PIB total somou R$ 7,3 trilhões.

Para a economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto, qualitativamente, o PIB não cresceu em 2019, pois não houve aceleração na expansão da indústria e dos investimentos. O avanço de 1,1% do PIB, ela diz, foi possível graças ao consumo das famílias e ao setor de serviços, que, mesmo assim, desaceleram em relação a 2018. "Se analisarmos os vetores que estruturam essa expansão de 1,1%, na prática o crescimento é zero, o PIB patinou, não teve ganho qualitativo, pois faltaram melhoras de investimento e indústria, que poderiam oferecer ganhos de produtividade e uma expansão mais robusta e sustentável da economia", disse.

Rafael Leão, economista-chefe da Arazul Capital, tem avaliação semelhante. Para ele, o PIB de 2019 mostrou crescimento mais fraco e composição pior do que a observada em 2018. Além da desacelaração do crescimento da economia (de 1,3% para 1,1%) e dos investimentos (de 3,9% para 2,2%), também houve uma crescimento nas importações (1,1%), , sinalizando pressão nas contas nacionais. “Quando o País está crescendo, é natural ter uma alta das importações puxada por máquinas e equipamentos. Mas, pela taxa baixa dos investimentos, estamos vendo que a composição é ruim e que essa pressão das importações continua sendo negativa”, disse Leão. E, segundo ele, tudo indica que o mix da economia em 2020 vai continuar igual ao do ano passado, com crescimento puxado pelo consumo das famílias e com FBCF ainda baixa. Isso, diz Leão, é puxado entre outras coisas pela turbulência política causada pelo governo federal, que afasta os investimentos. “Tem toda essa instabilidade, essa incerteza, que parece ter afastado uma parte do investimento no quarto trimestre. Pesa também que, enquanto você não aprova a reforma tributária, por exemplo, você inibe o investimento, porque o empresário não vai investir se acha que vai ter uma mudança na alíquota em breve e que ele não sabe de quanto vai ser”, disse.

Frustração em sequência

“Ano após ano, com exceção de 2017, a gente frustrou o que se esperava para o crescimento brasileiro. É uma frustração em sequência”, afirmou o economista Ricardo Barboza, professor colaborador do Coppead, instituto de pós-graduação em administração da UFRJ.

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Em 2017, as projeções compiladas pelo BC apontavam para um crescimento de 0,5% na primeira semana do ano, mas a economia acabou avançando 1,32%, mais do dobro do esperado inicialmente. Em todos os outros anos desde 2011, o desempenho efetivo do PIB ficou abaixo do que apontavam as projeções na primeira semana de cada ano.

Barboza fez um estudo mais amplo, considerando não apenas a projeção para um ano, mas para os quatro anos seguintes. O quadro de frustração fica ainda mais claro. No início de 2012, por exemplo, as projeções apontavam para crescimento de 3,30% naquele ano, 4,25% em 2013, 4,50% em 2014 e 2015. Na realidade, o PIB teve as seguintes variações: 1,92% (2012), 3,0% (2013), 0,5% (2014) e -3,55% (2015).

Segundo Barboza, embora algumas projeções possam ser feitas com pouco embasamento, mais na base da “torcida”, a metodologia para o cálculo das estimativas, com uso de modelos matemáticos ou cenários, é uma “tecnologia comum”, muito difundida entre economistas - além disso, séries estatísticas recentes e a falta de estabilidade na economia tornam o trabalho de projetar mais impreciso.

A frustração das expectativas estaria mais associada a uma “falta de pragmatismo” na condução da política econômica do que a um excesso de erros por parte dos economistas. Essa “falta de pragmatismo” estaria associada à insistência em adotar políticas de estímulo à demanda, na primeira metade da década de 2010, quando havia sinais de que a economia estava aquecida demais, e à adoção do receituário oposto, com o foco exclusivo em reformas de longo prazo, sem qualquer apoio à demanda, quando há sinais de excesso de ociosidade na economia, de 2016 para cá.

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O professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luís Oreiro chama a atenção para a imprecisão dessas projeções. São “palpites informados”, na avaliação do professor, que vê movimentos estruturais - como a desindustrialização, a derrubada dos investimentos e a longa duração do elevado desemprego - por trás do baixo crescimento desde que o Brasil saiu da recessão, em 2017.

Gustavo Arruda, economista-chefe do banco BNP Paribas, vê uma dificuldade adicional para as projeções nos últimos anos, relacionada a uma mudança no modelo econômico do País. Durante décadas, a economia brasileira teve o setor público, via gastos dos governos ou expansão de bancos públicos e empresas estatais, como motor do crescimento. Segundo o economista, como era insustentável, esse modelo está sendo substituído por outro, com crescimento puxado via setor privado.

O que as pessoas não estavam esperando é que essa mudança não é de uma hora para outra”, afirmou Arruda, acrescentando que, além de demorada, a transição de modelo econômico também beneficia determinados setores e regiões, em detrimento de outros. Um estudo do BNP Paribas sugere que, em regiões do País com menor peso do setor público, como em São Paulo e nas regiões Sul e Centro-Oeste, a economia já está crescendo na casa de 2,5% ao ano, mais próximo do ritmo indicado nas projeções.

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PIB 2020 Foto: Fabio Motta/Estadão, Brazilian Sugar Kane Association NYT e Tasso Marcelo/AE

Segundo Arruda, se, por um lado, a transição entre os modelos leva a um menor crescimento econômico no curto prazo, no longo prazo, a economia deverá se sair melhor. Tanto que, após revisar a projeção de crescimento para 2020 de 2,0% para 1,5%, em função dos impactos negativos do surto do novo coronavírus, o BNP Paribas manteve a estimativa de que o PIB brasileiro poderá avançar 3,0% em 2021, quando, além dos avanços no modelo econômico, os efeitos dos juros baixos sobre a alta do consumo e dos investimentos serão maiores.

“É frustrante você esperar 2,5% e acabar crescendo 1,1%, mas temos um desempenho mais sustentável na economia: não estamos dependendo de setor externo, de governo, mas temos um crescimento puxado por um setor interno privado”, afirmou o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio Leal.

Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), chamou atenção ainda para fato de que, além de lenta, a saída da economia da recessão a partir de 2017 tem sido desigual. Assim, determinados setores e regiões do País têm crescido mais, enquanto outros avançam menos. Entre os diferentes componentes do PIB, o consumo das famílias tem sido, consistentemente, o motor do crescimento, ainda que a um ritmo lento, enquanto os investimentos patinam.

“O normal seria uma recuperação mais homogênea, entre setores e regiões. A grande característica da atual saída de recessão é que ela é lenta e desigual”, afirmou Matos, completando que essa característica dificulta o trabalho de fazer as projeções econômicas. / COLABORARAM CÍCERO COTRIM E THAÍS BARCELLOS

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