Publicidade

Por que a operação de ajuda à Grécia fracassou

Impor mudanças de fora para dentro não é eficaz; governo grego e eleitorado devem acreditar nelas

Por Kenneth Rogoff
Atualização:
Para que soluções sejam aplicadas o povo grego precisa estar convencido delas Foto: Marko Djurica/Reuters

À medida que a crise grega evolui, é importante entender que o sucesso de um programa de ajustes estruturais exige que o país disponha de um forte apoio político à implementação de sua estratégia de desenvolvimento. Mesmo que os negociadores superem os problemas mais recentes, será difícil acreditar que as soluções sejam aplicadas se o povo grego não estiver totalmente convencido delas. 

PUBLICIDADE

Essa tem sido a experiência até o momento. E sem uma reforma estrutural, há poucas chances de que a economia grega venha a apresentar estabilidade e crescimento sustentados - principalmente porque, sem as reformas, os credores não estão dispostos a continuar concedendo à Grécia mais dinheiro do que o que ela já deve. (Foi o que aconteceu durante a maior parte da crise, embora nós jamais viéssemos a ter conhecimento disso pela imprensa mundial.) 

O fato de a Grécia fazer parte da União Europeia dá aos seus credores considerável espaço de manobra, mas evidentemente não o bastante para modificar o cálculo fundamental. A Grécia continua sendo um país soberano, não um Estado subsoberano. A troica de credores - o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Central Europeia (BCE) e a Comissão Europeia - não dispõe do mesmo espaço de manobra em relação à Grécia de que dispunha a Municipal Assistance Corporation em relação à prefeitura de Nova York quando esta se encontrou à beira da bancarrota em meados da década de 70. 

Os melhores programas de ajustes estruturados são aqueles nos quais o governo do país devedor propõe mudanças da política e o FMI ajuda a elaborar um plano específico, fornecendo a cobertura política para a sua implementação. Entretanto, impor as mudanças de fora para dentro não é uma opção eficaz. Por isso, para que as reformas ocorram, o governo grego e seu eleitorado devem acreditar nelas.

A necessidade de um país poder contar com apoio político suficiente para implementar seu programa de reformas não é nenhuma novidade. O relacionamento conturbado do FMI com a Ucrânia começou muito antes da última rodada de negociações. Em 2013, a equipe do FMI preparou um relatório desencorajador sobre a experiência da organização no país. Sua conclusão foi, em essência, que o fato de o governo não ter adotado plenamente o programa de reformas fez com que este não funcionasse.

Se um governo é incapaz ou não está interessado em empreender os ajustes imprescindíveis, afirmou o relatório, a melhor opção é fornecer os recursos à medida que as reformas forem implementadas, como está ocorrendo agora na Grécia. Infelizmente, essa estratégia não se mostrou adequada para fazer frente aos desafios. 

As condições existentes para a implementação das reformas estruturais frequentemente levaram a balança a oscilar entre as facções opostas internas, para o melhor ou para o pior. Quando no país não existe vontade política para que as reformas possam persistir, elas acabarão sendo rapidamente sabotadas.

Publicidade

Neoliberalismo. Os ideólogos de esquerda olham há muito tempo os programas de reformas estruturais com profunda desconfiança, acusando os credores internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, de serem dominados pelos fundamentalistas neoliberais do mercado. Essa crítica é de certo modo correta, embora um tanto exagerada. 

Na verdade, tais reformas muitas vezes favorecem a adoção de políticas como a flexibilidade do mercado de trabalho. Contudo, não devemos incorrer no erro de considerar essas intervenções no sentido mais rigoroso. Acabar com o mercado de trabalho segmentado que exclui os jovens trabalhadores (como ocorre em grande parte do sul da Europa, como na Itália, e até certo ponto na França) é algo muito diferente de se facilitar a demissão de todos os trabalhadores. Fazer com que os sistemas de aposentadoria passem a ser sustentados não equivale a torná-los mais miseráveis. Tornar a tributação mais simples e mais justa não é o mesmo que elevar todos os impostos.

Recentemente, os adversários das reformas estruturais levantaram novas objeções exóticas - particularmente o problema causado pela deflação quando os juros chegaram a zero. Se as reformas estruturais simplesmente provocam a redução de todos os salários e preços, talvez seja mesmo difícil fazer frente à queda da demanda agregada a curto prazo. Mas uma crítica semelhante é válida também no caso de qualquer outra mudança da política oficial: se ela não for corretamente planejada, se revelará contraproducente. Na verdade, para que a Europa possa avançar, é imprescindível um aumento da produtividade.

As lições da Grécia e de outros programas de ajuda que não tiveram sucesso são preocupantes. Se um programa de ajuda a um país endividado exige uma mudança total do seu modelo econômico, social e político, a melhor opção será contabilizar como perda os prejuízos do setor privado, em lugar de usar dinheiro público para cobri-las. Em casos como o da Grécia, a pressão dos credores para a adoção de reformas estruturais deveria focalizar problemas internos - particularmente para o aprimoramento da regulamentação financeira.

PUBLICIDADE

Em sua enorme maioria, os gregos querem continuar na zona do euro. Num mundo ideal, oferecer ajuda financeira em troca de reformas talvez ajude os que querem tornar o país um moderno Estado europeu. Mas considerando a dificuldade que a Grécia tem tido até o momento para adotar as mudanças necessárias à consecução desse objetivo, talvez seja mais correto analisar esse enfoque da crise em toda a sua amplitude. Em lugar de um programa de novos empréstimos ao país, é possível que faça mais sentido fornecer-lhe ajuda humanitária - quer a Grécia permaneça inteiramente na zona do euro quer não. / Tradução de Anna Capovilla

* É ex-chefe da equipe de economistas do FMI e professor de economia e política pública em Harvard

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.