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Por que ainda não estamos passeando de carro pelos céus

Afinal, onde estão os carros voadores sempre tão sonhados em histórias em quadrinhos, seriados e filmes de ficção?

Por Stuart F Brown
Atualização:
A família Jetsons Foto: Reprodução

Alguns de nós podem agradecer a um personagem dos desenhos animados que vive no futuro, George Jetson, por instilar esse desejo. Os estudantes da história da aviação podem procurar inspiração no protótipo de autoplano construído em 1917 pelo pioneiro do voo Glenn Curtiss. E dezenas de milhões de motoristas que já ficaram presos em engarrafamentos que se estendem até o horizonte também devem sentir a necessidade de perguntar: onde estão os carros voadores?

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Trata-se de um sonho que reduziu ao desespero muitos aspirantes a inventores, ao se darem conta da imensidão dos desafios de engenharia e design cuja raiz está na natureza muito diferente dos carros e das aeronaves. Os carros precisam oferecer conforto aos ocupantes, facilidade de manobrar e frear, e proteção para o caso de um acidente, ao mesmo tempo atendendo à legislação do governo relativa à poluição do ar e ao consumo de combustível. É importante manter o peso tão baixo quanto o possível, mas alguns quilos a mais aqui e ali podem ser tolerados.

Já os aviões são uma questão diferente. O peso é tudo para uma máquina voadora; determina a potência do motor e a envergadura das asas necessárias para tirá-la do chão. Assim, as aeronaves fazem amplo uso de materiais leves que os projetistas transformam nas estruturas mais eficientes que conseguem imaginar.

As tentativas de reconciliar as exigências conflitantes dos dois tipos de veículo resultam invariavelmente num imenso número de concessões que, para alguns, tornam o carro voador uma proposta inviável. Mas o sonho continua vivo.

Ray Morgan, engenheiro e consultor aeroespacial de Simi Valley, Califórnia, sabe muito a respeito de eficiência e estruturas leves, depois de liderar um grupo que desenvolveu uma série de protótipos de aeronaves, carros e dirigíveis na AeroVironment Inc. Ele também estudou projetos de carros voadores. "Em geral, a ideia de usar um avião como carro não é muito realista", disse ele em entrevista concedida recentemente pelo telefone. "O resultado mais provável é um híbrido de aeronave ruim e carro ruim."

Terrafugia, o carro que vira avião Foto: NYT

Com o passar dos anos, os proponentes dos carros voadores exploraram sistemas de propulsão de todo o tipo, incluindo hélices, jatos de empuxo vertical e rotores semelhantes aos dos helicópteros. Várias pequenas empresas estão trabalhando em projetos de carros voadores que podem ser os primeiros a finalmente resolver a equação. Uma delas, a Terrafugia, de Woburn, Massachusetts, levou aos ares um protótipo com asas que dobravam automaticamente e uma hélice de impulsão acomodada entre duas caudas. A empresa está trabalhando num projeto híbrido avançado capaz de decolagem vertical e circulação nas estradas usando motores elétricos alimentados por baterias, equipado também com um motor de pistões que ativa uma hélice de impulsão durante o voo.

A startup Aeromobil, de Bratislava, Eslováquia, tem um protótipo com hélice de impulsão para voo e eixos responsáveis por virar as rodas da frente ao dirigir. As asas giram e se posicionam lateralmente à fuselagem quando o veículo está no modo automóvel.

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Aeromobil: protótipo com hélice de impulsão Foto: Divulgação

Ao pensar nos sistemas que seriam necessários a bordo de um carro voador, talvez um diploma de engenharia possa ajudar. Para começar, é necessário um motor. E, por questões de peso e complexidade, o ideal seria que o mesmo motor oferecesse potência para o voo e a circulação em terra. Por isso, é necessário criar alguma forma de transmissão para desviar a potência para a hélice ou para a tração nas rodas.

As asas, e como guardá-las para o deslocamento em terra, são outra grande peça do quebra-cabeça. "Quanto maior for o peso do veículo, maior a envergadura necessária para proporcionar o empuxo aerodinâmico capaz de tirá-lo do chão", disse Morgan. "Toda vez que nosso peso aumenta, em decorrência do acréscimo de sistemas necessários para o modo automóvel, essas asas precisam aumentar. Caso contrário precisaremos de um motor mais potente, aumentando as velocidades de decolagem e aterrissagem."

Quanto mais longas as asas, maior o desafio de tirá-las do caminho para que o carro voador caiba na faixa de uma rua. A incorporação de dobradiças e mecanismos giratórios diminui a eficiência estrutural das asas e aumenta o peso.

Até o sistema de suspensão de um carro voador exigiria proezas consideráveis da engenharia. A suspensão de um automóvel é projetada para suportar forças de aproximadamente 2Gs, compensando as imperfeições na pista. Mas os aviões às vezes passam por aterrissagens difíceis, e a suspensão do trem de pouso é projetada para suportar forças de 4Gs.

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Quando Morgan preparou um estudo para a Agência de Projetos de Pesquisa Avançados em Defesa (Darpa) envolvendo um "jipe voador" para terrenos acidentados, ele imaginou adaptar o sistema de suspensão usado pelos buggies de areia. A Darpa rejeitou a ideia. "Não posso dizer que tenha encontrado um militar para quem a ideia de um veículo no estilo de um carro voador seja boa ideia", disse ele.

Outro desafio para os interessados na fabricação desse tipo de transporte envolve superar os obstáculos impostos por diferentes agências reguladoras do governo. Uma nova aeronave precisa receber da Administração Federal de Aviação aquilo que é conhecido como certificação de tipo, aprovando o projeto do avião e considerando-o seguro para o voo. Também é obrigatório obter uma certificação de produção, comprovando que o fabricante segue os padrões de segurança à risca e tem capacidade para construir múltiplas aeronaves idênticas ao protótipo aprovado.

"Pode ser necessária mais de meia década para vencer todos esses processos de aprovação para um novo avião", disse Dick Knapinski, da Associação de Aeronaves Experimentais em Oshkosh, Wisconsin. "Quando o veículo no qual estamos trabalhando é também um carro, torna-se necessário lidar com o Departamento de Transportes e a Administração Nacional de Segurança nas Estradas."

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"Os recursos que usamos para obter aprovação como automóvel aumentam o peso. Então é preciso verificar se ainda estamos dentro dos limites do lado aeronáutico do programa."

Haverá algumas surpresas para aqueles que pensam que basta comprar um carro voador, apontar o nariz para o céu e decolar sobre as estradas lotadas. Ninguém pode sair do chão sem treinamento e uma licença de pilotagem, e nenhuma agência do governo vai aprovar que cidadãos decolem e aterrissem casualmente nas vias públicas. É para isso que servem os aeroportos.

Um impedimento final para o avanço dos enxames de carros voadores pelos céus é o sistema atual de controle de tráfego aéreo, que não foi pensado para acompanhar aeronaves em baixa altitude e sem plano de voo, que podem mudar de curso subitamente. "Se essa situação se tornar realidade, quantas dessas pessoas sobreviveriam até o jantar?" indagou Morgan.

Apesar dessa montanha de obstáculos, não há motivo para esperar que o poder de sedução dos carros voadores diminua. Qual foi a criança que nunca imaginou flutuar pela casa meio metro acima do chão, vendo tudo sob uma nova perspectiva? Basta um pequeno passo para se chegar dali ao céu aberto. E o ritmo do progresso ainda pode tornar acessíveis os carros voadores.

A Nasa e a Administração Federal de Aviação estão trabalhando numa tecnologia com base em GPS chamada Automated Dependent Surveillance-Boradcast, ou ADS-B, um receptor que ajudaria múltiplas aeronaves leves a coordenar o rumo de seus voos e solicitar mudanças. A proliferação de motores híbridos movidos a gasolina e eletricidade na indústria automobilística também pode ajudar a reduzir o peso e a complexidade dos sistemas de propulsão e tração. A Terrafugia trabalha com essa ideia.

Esses homens maravilhosos e suas máquinas voadoras

Feiticeiros e inventores tentam fazer os carros voarem desde o início do século 20, com resultados variados. Alguns projetos tinham asas e caudas removíveis para transitar nas estradas; outros usavam mecanismos para dobrar as asas e circular nas ruas. Eis aqui uma amostra de algumas das criações mais notáveis:

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Autoplano Curtiss, 1911 - Glenn Curtiss, pioneiro da aviação e das motocicletas, usou um motor de 100 cavalos que ele mesmo projetou para o seu autoplano de três lugares, movido por uma hélice de empurrar para voo e uso nas estradas, além de rodas dianteiras manobráveis. O veículo tinha asas e cauda removíveis, fuselagem de alumínio e aquecimento na cabine. Não foi possível encontrar investidores para o projeto, e o protótipo era capaz apenas de breves saltos, sem jamais alçar voo de verdade.

Aeroanfíbio Fulton: ar, terra e água Foto: Reprodução

Aerofíbio Fulton, 1946 - O arquiteto Robert Edison Fulton Jr. construiu quatro aerofíbios. As asas de tecido leve e a fuselagem traseira eram removíveis, sendo deixadas para trás durante o uso nas estradas. O aerofíbio se tornou o primeiro carro voador a receber certificação do governo como aeronave em 1950, quando Charles Lindbergh voou num deles. Fulton pilotou bastante seus aerofíbios pelos ares e pelas estradas, mas o empreendimento não foi para frente por razões financeiras.

Taylor aerocar, chegou a entrar em produção mas foi parar em um museu Foto: Repodução

Aerocarro Taylor, 1949 - O aerocarro Taylor chegou ao estágio de produção em pequeno volume, e o protótipo sobrevivente reside no museu da Associação de Aeronaves Experimentais, em Oshkosh. O projetista, Moulton Taylor, rejeitou a ideia das asas removíveis de Robert Fulton, desenvolvendo mecanismos dobráveis para sua máquina, que recebeu certificação do governo como aeronave. Cada unidade era vendida por US$ 25.000, atingindo a velocidade de 160km/h impulsionada por um motor Lycoming de 150 cavalos.

Mizar, mistura de carro com avião nos anos 1970 Foto: Divulgação

Mizar, da Advanced Vehicle Engineers, 1971-73 - O engenheiro aeronáutico Henry Smolinski construiu um par desses carros voadores. O Mizar era uma estranha combinação das asas, cauda e motor traseiro do Cessna Skymaster com um fusca. O Mizar usava um motor Continental de 210 cavalos e também o motor do fusca durante a aceleração de decolagem; em seguida, o motor do carro era desligado. Smolinski e um sócio morreram quando um dos protótipos sofreu uma pane estrutural e caiu.

Tradução de Augusto Calil

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