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Previc vê perda milionária do Postalis em ‘nova bolsa’

Segundo relatório da Previc, fundo de pensão investiu praticamente sozinho, mas ficou só com 25% de empresa que quer criar rival para a B3

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Por Fernanda Guimarães
Atualização:

O Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos Correios, fez praticamente sozinho, com mais de R$ 300 milhões, todo o investimento na ATS, empresa que pretende lançar uma nova bolsa de valores no Brasil. A fundação, no entanto, levou uma fatia de apenas 25% do projeto. Os demais investidores, com aporte de R$ 2 milhões, ficaram com o restante da empresa.

O Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos Correios, fez praticamente sozinho, com mais de R$ 300 milhões, todo o investimento na ATS Foto: Hélvio Romero/Estadão

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A informação consta de relatório da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), que no início de outubro determinou uma intervenção no fundo de pensão, após sucessivos déficits. Segundo a Previc, houve “prejuízo aos princípios de rentabilidade, segurança e liquidez, por ter sido realizado o investimento sem proteção aos interesses da entidade contra o notório conflito de interesses entre os demais investidores, que eram também os proprietários da empresa investida”.

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Além disso, a superintendência também questiona a metodologia usada para chegar ao valor econômico de cerca de R$ 1,3 bilhão da ATG Brasil, a controladora da ATS, e que recebeu os aportes do Postalis. Tal número, apesar de a companhia ainda não operar, teve crescimento expressivo nos últimos anos.

Por isso, o relatório destaca que há evidências de manipulação no preço dos ativos que compõem o Fundo de Investimentos em Participações (FIP) ETB, veículo usado para o investimento de mais de R$ 300 milhões da fundação na ATG.

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O relatório destaca que o valor das cotas da ATG é muito superior ao valor de seu patrimônio. O documento coloca que, conforme a última demonstração financeira disponível, do exercício de 2015, o prejuízo acumulado foi de R$ 210,882 milhões, com um patrimônio líquido de R$ 148,407 milhões.

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Mas o laudo de avaliação da empresa mostra um valor econômico de R$ 1,3 bilhão, conforme o mesmo documento do regulador. A avaliação é que o laudo usado como base “para precificar o ativo ATG utiliza várias premissas sem fundamentação técnica, sem buscar estudos e fontes de dados externas para embasar as expectativas adotadas”.

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Sócios. O projeto da ATS é liderado pelos investidores Arthur Pinheiro Machado e Francisco Gurgel do Amaral Valente, que controlam a ATG. A ATS foi criada em 2012 e, na época, tinha como sócia a Nyse, bolsa de Nova York. Mas a sociedade foi desfeita neste ano, após uma briga em processo arbitral que correu sob sigilo e que não teve a causa divulgada.

Procurada, a ATG diz que lhe causa estranheza o fato de o relatório da Previc vir à tona justamente no início do processo de arbitragem, determinado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que vai definir o preço para acesso à central depositária da bolsa B3 e, portanto, “o fim do monopólio no mercado de capitais brasileiro” (leia mais nesta página).

A ATG afirma, ainda, que recente relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), que apura causas para os prejuízos do Postalis, não cita a companhia. O documento do TCU, no entanto, está focado nos investimentos citados pela CPI dos Fundos de Pensão.

Também procurado, o Postalis não respondeu.

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Previc. Apesar de o investimento na ATS (empresa que tenta criar uma nova bolsa de valores no Brasil) pelo Postalis não ter sido o que mais ficou nos holofotes nos últimos anos, não passou despercebido pelo patrocinador do fundo, os Correios.

Em 2015, a empresa realizou uma auditoria interna que abordou diversos investimentos da fundação. E apontou que, após análise de demonstrações contábeis do FIP ETB (fundo de investimento em participações usado pelo Postalis para investir na ATG, controladora da ATS), referentes ao exercício de 2012 e 2013, constatou-se “a existência de divergências entre os valores registrados para as mesmas ações da ATG e os valores registrados no FIP”.

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O documento já apontava a grande valorização das cotas do fundo ETB, mesmo antes do início da operação da nova bolsa, e que o aporte dos acionistas da ATG, de R$ 2 milhões, foi transformado em cerca de R$ 535 milhões, mesmo sem a colocação de novos recursos. O Postalis, porém, apesar de novos investimentos, ficou com a mesma fatia da companhia.

Dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) mostram que o FIP ETB foi constituído em julho de 2010, quando tinha apenas um cotista, com um patrimônio líquido de R$ 2 milhões. No ano seguinte o patrimônio era de R$ 722 milhões (julho a setembro), de R$ 742 milhões em 2012, R$ 833 milhões em 2013, R$ 1,005 bilhão em 2014, R$ 1,086 bilhão em 2015, R$ 1,1 bilhão em 2016 e R$ 1,2 bilhão no terceiro trimestre deste ano.

De acordo com o relatório da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), o investimento do Postalis na ATS já deveria estar provisionado e que, “sem o devido colchão para esse investimento com perda provável, a fundação está mascarando déficit existente do plano, acobertando-o com recursos garantidores que não darão nenhum rendimento, além da provável perda do recurso investido”.

Por fim, o regulador aponta a necessidade da nomeação de um interventor para fazer tais correções e que “apresente a contabilidade com fidedignidade”.

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ATS. A ATS Brasil, que tem planos de abrir uma bolsa de valores no Brasil, entrou com um processo de arbitragem contra a B3. A empresa, capitaneada pela ATG, acusa a bolsa brasileira, fruto da fusão da BM&FBovespa com a Cetip, de colocar preços para fornecer seus serviços que inviabilizam o projeto da ATS.

Já a B3, conforme documentos protocolados no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), rebate e diz que apresentou quatro propostas diferentes, reduzindo preços, mas que a ATS não demonstrou, ao longo de todo o processo, interesse em chegar a um acordo.

O procedimento de arbitragem ocorreu automaticamente, por conta de determinação do Cade no âmbito da aprovação da fusão de BM&FBovespa e Cetip, em março deste ano. O acordo firmado previa que a B3 teria de colocar à disposição de interessado o acesso à sua infraestrutura, e estabeleceu um prazo de até 120 dias para a negociação de preço e outras condições. Se não houvesse acordo, a arbitragem seria o foro de resolução.

Agora a disputa entre ATS e B3 está Câmara de Arbitragem Brasil-Canadá, sob sigilo. No procedimento, cada lado indica um árbitro. Esses dois profissionais, em comum acordo, indicarão um terceiro.

Procurada, a B3 disse que sempre esteve “disponível para dialogar e negociar com todos os potenciais interessados no acesso aos seus serviços de clearing e depositária, com o intuito de obter acordos razoáveis em relação às condições para a prestação de tais serviços”.

Além disso, afirma que está cumprindo rigorosamente o estabelecido no Acordo em Controle de Concentração celebrado perante o Cade e observando a governança ali prevista, inclusive no que diz respeito à negociação com potenciais interessados na prestação de serviços de depósito centralizado.

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Em paralelo, há ainda um inquérito administrativo no Cade que está tramitando desde o dia 7 de abril do ano passado, exatamente um dia antes dos conselhos de administração de BM&FBovespa e Cetip chegarem a um acordo sobre a fusão e anunciarem ao mercado.

Nos bastidores, se questiona qual o peso que o Cade tem dado para o histórico da companhia, principalmente pelo fato de um dos acionistas da ATG, Arthur Machado, ter sido citado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Fundos de Pensão da Câmara dos Deputados. A ATG destaca que Machado não responde a nenhum processo judicial nem está sob investigação.

“A tal referida percepção do mercado quanto à sua reputação é resultado dos mesmos ataques realizados com base em interesses políticos, e não técnicos”, afirma a ATG em nota.

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