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Propaganda de remédio contra choro faz vendas dispararem

Síndrome se caracteriza por impulsos inapropriados e incontroláveis de riso ou choro; publicidade de medicamentos controlados nos EUA divide opiniões

Por Julie Appleby
Atualização:
O ator Danny Glover em propaganda sobre PBA Foto: Free Kit

NOVA YORK - Com um foco de luz sobre o rosto, o ator Danny Glover leva as mãos à cabeça e se põe a chorar. De repente, começa a gargalhar e, depois, retoma uma feição séria. “Quando estou atuando, tenho o controle de tudo”, ele diz para a câmera. “Mas, para alguém com síndrome pseudobulbar, chorar ou rir pode não ser uma escolha”. A propaganda de 60 segundos, amplamente transmitida nos meios televisivos até o fim do ano passado, levantou questionamentos sobre o papel da publicidade direta ao consumidor – isto é, propagandas que pedem que você “pergunte ao seu médico” sobre tratamentos possíveis – na promoção do uso de medicamentos para condições incomuns a um público muito maior do que parcela da população que realmente se beneficia deles.

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A síndrome pseudobulbar, ou PBA, é uma condição neurológica que se caracteriza por rompantes inapropriados e incontroláveis de riso ou choro. A propaganda não mencionava o nome de nenhum medicamento. Mas era patrocinada pela Avanir Pharmaceuticals, empresa californiana que fabrica o Nuedexta, um remédio para a síndrome. A propaganda termina indicando aos telespectadores o site

“Fatos sobre a PBA”

e um número para chamadas gratuitas.

A PBA afeta principalmente pessoas com condições neurológicas como esclerose múltipla ou doença de Lou Gherig. As estimativas para a sua incidência variam porque as definições para a doença são ambíguas. Os médicos podem dizer que ela é comum ou incomum, dependendo de suas especializações. A Avanir define o número na marca de 2 milhões de americanos.

O mercado tem se provado lucrativo. As vendas de Nuedexta chegaram aos 218 milhões de dólares no ano passado, em comparação aos 37 milhões de 2012, de acordo com a Evaluate Pharma, que rastreia os preços e mercados de produtos farmacêuticos.

“Acho que a publicidade está redefinindo a doença, para incluir pessoas que são apenas muito emotivas”, disse Adriane Fugh-Berman, médica que leciona na Georgetown University Medical Center e investiga práticas publicitárias da indústria farmacêutica. Os Estados Unidos são um dos dois países que permitem propagandas de remédios controlados.

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A empresa nega.

Em uma declaração escrita, disse que seus esforços são “direcionados para a conscientização sobre a PBA”, de modo a auxiliar na melhor compreensão dos sintomas de uma condição que muitas vezes é “negligenciada, incompreendida e incorretamente diagnosticada”.

O Nuedexta também chama atenção pelo preço: mais de 700 dólares por mês, para uma dosagem de duas pílulas por dia. O medicamento é uma combinação de dois ingredientes de baixo custo – um xarope para tosse e um remédio genérico para o coração – que, se comprados separadamente, não custariam mais do que 20 dólares por mês, de acordo com estimativas de custo online.

Mas essa comparação é imprecisa, porque a dosagem do remédio para o coração é muito mais baixa no Nuedexta do que no medicamento genérico. E preparar a mistura em casa pode ser perigoso, disse a Dra. Aiesha Ahmed, neurologista da Penn State Hershey Medical Center que pesquisa a incidência da PBA e as opções de tratamento.

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“É preciso acertar exatamente a dosagem, e isso seria complicado,” ela disse.

O Nuedexta não cura a PBA e, para reduzir as crises de riso e de choro, deve ser administrado até o fim da vida do paciente. Embora seja o único medicamento aprovado especificamente para a PBA pela Food and Drug Administration (Agência de Controle de Alimentos e Medicamentos dos EUA), os médicos têm obtido sucesso com muitos outros tratamentos mais baratos, todos com antidepressivos.

“É inconcebível esse custo para misturar dois medicamentos antigos”, disse o Dr. Jerome Avorn, professor na Harvard Medical School e chefe da Área de Farmacoepidemologia e Farmaeconomia no Brigham and Women’s Hospital.

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O marketing estratégico do Nuedexta faz parte de uma tendência: até mesmo as pequenas empresas farmacêuticas recorrem às ondas eletromagnéticas para estimular o uso de seus produtos. O gasto da indústria farmacêutica com propagandas televisivas aumentou 62% desde 2012, para cerca de 6,4 bilhões de dólares – mesmo diante da estagnação nas propagandas de outros tipos de produtos, segundo a Kantar Media, empresa que rastreia publicidades em diversas mídias.

No ano passado, as propagandas de medicamentos foram a sexta categoria de publicidade televisiva mais comum – depois de carros e restaurantes – subindo da 12ª colocação em apenas cinco anos. Muitas propagandas, como a do Nuedexta, promovem medicamentos para doenças incomuns, como transtornos do sono que afetam apenas pessoas cegas. Outras são direcionadas para condições mais comuns, como constipação induzida por opioides.

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Os fabricantes defendem essas propagandas como uma maneira de educar pacientes que podem não saber que estão doentes ou que sofrem de sintomas para os quais existem tratamentos. O riso ou o choro incontrolável da PBA “é bastante debilitante”, e o Nuedexta proporciona alívio considerável para muitas pessoas, disse o Dr. Richard Malamut, neurologista que recentemente assumiu o cargo de diretor médico da empresa.

A Avanir se recusou a dizer o valor de seus gastos com a publicidade do Nuedexta. Ao justificar o preço do medicamento, Malamut disse que a empresa investiu centenas de milhões de dólares em pesquisa ao longo de mais de dez anos antes de obter a aprovação do FDA, no final de 2010. Agora mais dinheiro está sendo gasto para descobrir se o Nuedexta, ou outros produtos da Avanir, poderiam ajudar em outros problemas neurológicos.

Em 2013, depois da aprovação do FDA, a Avanir começou a chamar a atenção dos consumidores com uma campanha online e televisiva que direcionava os telespectadores para o site com fatos sobre a PBA. A empresa conseguiu “um resultado inesperado”, com “350 mil visitas ao site ou chamadas à linha de apoio”, Keith A. Katkin, na época diretor executivo, disse aos investidores.

O potencial deste e de outros medicamentos dos laboratórios da Avanir incentivou a Otsuka Holdings do Japão a comprar a Avanir em 2014, por 3,5 bilhões de dólares.

Mas, quando as pesquisas de mercado indicaram que apenas 1/3 dos pacientes em potencial e dos médicos que cuidavam de tais pacientes conheciam a síndrome, a Avanir convocou os poderes de celebridade de Glover, disse Lauren D’Angelo, diretora do setor de marketing da Avanir. As propagandas estreladas por Glover, que não sofre de PBA, apareceram nos canais a cabo e nos programas de notícias nacionais de 2015 até o fim do ano passado. O agente de Glover disse que não tinha nenhum comentário a fazer sobre a campanha.

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Depois que a propaganda foi ao ar, uma pesquisa revelou que o conhecimento sobre a síndrome aumentou para 72% entre os médicos e para 52% entre os pacientes.

“Foi uma campanha extremamente bem-sucedida”, D’Angelo disse. “Levamos muitos pacientes aos consultórios médicos. O negócio foi que eles não pediram o remédio pelo nome Nuedexta”.

Isso foi um problema para as vendas. Em vez do Nuedexta, alguns pacientes foram receitados com antidepressivos ou receberam um diagnóstico incorreto, ela disse.

Então, esse ano laboratório lançou uma nova campanha publicitária. Esta, que vai ao ar em horário nobre, mostra um homem explodindo em prantos no aniversário de uma criança. E diz para os telespectadores, mais especificamente: “pergunte sobre o Nuedexta”.

Estamos mostrando o que queremos que eles façam – que eles perguntem sobre PBA e sobre Nuedexta”, disse D’Angelo.

Tradução de Renato Prelorentzou 

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