PUBLICIDADE

Publicidade

Qual das três corrupções decidiremos combater?

Para pesquisador, brasileiros condenam a grande corrupção pública, mas são tolerantes com a pequena corrupção privada

Por Luiz Hanns
Atualização:

Um dos mais influentes pensadores no campo da ética, o professor Michel Sendel, de Harvard, esteve no Brasil no ano passado e, como faz em todos os países que visita, conversou sobre ética com a população local, esteve no Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, e coordenou um debate público no programa Caldeirão do Huck.

PUBLICIDADE

Nesses encontros, percebeu que brasileiros são tolerantes com a pequena corrupção privada, mas condenam a grande corrupção pública. Sendel encerrou a visita ao Brasil lançando uma questão: haveria continuidade entre ambas? 

A resposta a essa pergunta tem implicações práticas.

Se concluirmos que não há tal continuidade, o problema estaria nos poderosos que se apoderam do sistema público para espoliar uma população honesta. A corrupção no Brasil seria sistêmica e deveria ser enfrentada com leis duras, controle dos financiamentos eleitorais e apoio público contra a impunidade.

Mas, se acharmos que, além de sistêmica, nossa corrupção também é endêmica, haveria um elo entre a microcorrupção cotidiana e o grande roubo ao erário público. Nesse caso, mesmo mudando as leis, o sistema seria permanentemente reinfectado. Teríamos então de abrir uma frente adicional de combate: levar a ética ao mundo privado de cada um.

Esse tipo de combate ético em duas frentes já ocorre no Brasil. Por exemplo, na luta contra o racismo, a homofobia e o desmatamento. Esses embates são travados não só na esfera pública, por meio de leis e fiscalização, mas também nos corações e mentes, através de grandes mobilizações cívicas contra preconceito e ignorância. A mídia impressa, as escolas, empresas, celebridades, roteiristas de novelas, blogueiros, demonizam 24 horas ao dia os preconceitos de raça e sexuais, bem como o descaso com o ambiente. E a própria coletividade vigilante denuncia quem apoia tais posturas odiosas. 

Nossa tarefa seria, então, promover uma mobilização cívica contra a desonestidade. Para que não se fure a fila, que se entregue ao setor de achados e perdidos a carteira encontrada no chão, ou que não se sirva comida vencida.

Publicidade

Mas e se a corrupção no Brasil for também sindrômica? Se fizer parte da síndrome típica do subdesenvolvimento, que entrelaça má gestão, burocracia e corrupção? 

Os exemplos do pré-sal e da Eletrobrás mostram que, quando líderes despreparados assumem, mesmo bem intencionados, planejam mal e desconhecem os reais custos dos fornecedores. Tendem a aceitar preços inflacionados ou pressionam custos além do razoável, e ao final o barato sai caro, em aditivos e recontratações. Ambas as falhas abrem brechas por onde os corruptos penetram usando do superfaturamento.

A resposta usual a esse problema é criar incontáveis procedimentos de controle que atravancam os serviços públicos e sobrecarregam cidadãos. 

Mas a gestão moderna pede controles por amostragem e respeito pela fluidez do sistema. A tentativa de controle total acaba por gerar a corrupção que pretendia evitar: sufocados por normas incoerentes e arbitrárias, cidadãos e empresas se lançam ao suborno em busca de oxigênio. Abrem-se então novas brechas pelas quais corruptos se infiltram na máquina e achacam usuários. 

PUBLICIDADE

Se concluirmos que nossa corrupção é também sindrômica, reprimi-la sem eliminar leis e normas disfuncionais inviabilizaria milhares de pequenos negócios incapazes de cumpri-las e elevaria o valor das propinas que corruptos, sentindo-se em risco, cobrariam para liberar oxigênio ao sistema (o que já vem ocorrendo após a Lava Jato). 

Nesse caso, precisaríamos, além da reforma do financiamento eleitoral e das dez medidas contra a corrupção, ora em tramitação no Congresso, de dez medidas contra a burocracia e dez medidas contra a gestão negligente (adotadas por diversos países).  Ou será nossa corrupção só sistêmica?

*PSICÓLOGO E ANALISTA DE COMPORTAMENTO

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.