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Ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócios da FGV

Opinião|Quem paga?

Ao tornar pública a operação da 'Carne Fraca', a área de comunicação da PF meteu os pés pelas mãos, misturou alhos com bugalhos, dando a entender que a carne assim produzida poderia estar “estragada” e imprópria para o consumo

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Atualização:

Poucas instituições brasileiras são hoje tão admiradas e respeitadas quanto a Polícia Federal. Seu trabalho constante contra a corrupção, no combate ao tráfico de drogas e de armas, na defesa incansável dos direitos do cidadão, a seriedade com que trata tais temas, esse conjunto de fatores faz da PF uma organização benquista também. Mas, como tudo no mundo, não é infalível. E cometeu um tremendo erro de comunicação no episódio chamado “Carne fraca”.

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A ênfase da operação que, segundo a própria PF, foi a maior de sua história recente, com participação de mais de mil policiais, era identificar os responsáveis por desvios de conduta em alguns frigoríficos. Neles, fiscais federais agropecuários seriam corrompidos por dirigentes com o objetivo de “liberar” partidas de carne (bovina, de aves e de suínos) e embutidos fora dos padrões exigidos. A operação, resultado de dois anos de averiguação, levaria para a cadeia tanto os responsáveis pela propina quanto os fiscais federais.

Nada mais correto e desejável.

Mas, ao tornar pública a ação, a área de comunicação da PF meteu os pés pelas mãos, misturou alhos com bugalhos, dando a entender que a carne assim produzida poderia estar “estragada” e imprópria para o consumo, além de outros exageros e erros mesmo de informação. 

A reação foi imediata e profunda, tanto por parte dos consumidores brasileiros quanto dos importadores de nossas carnes. Vários países suspenderam as compras, navios que já estavam nos oceanos tiveram rotas desviadas, instalou-se o caos. Depois, ficou claro o exagero da notícia. Afinal, temos quase 5 mil frigoríficos em todo o País, e apenas 21 (menos de meio por cento) tinham problemas reais. E em nenhum caso a carne era imprópria para consumo humano.

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O governo brasileiro, através do Ministério da Agricultura, agiu com rapidez e eficiência, lacrando as instalações com problemas e suspendendo os fiscais envolvidos em corrupção. O próprio ministro Blairo Maggi emitiu nota conjunta com o chefe da PF chamando a atenção para o erro de comunicação e tentando colocar as coisas como eram de fato.

Mas o estrago já estava feito. E potencializado pelo noticiário geral. A mídia não avaliou a exatidão das informações que recebera e mandou para o ar o “susto” assombroso.

Agora, parece que o problema vai se ajustando aos poucos, mas isso é enganoso.

No mundo real da competição entre mercados produtores, nossos concorrentes vivem à espreita de erros como este para nos acusar de incompetentes ou “picaretas”. A vida é assim e não adianta reclamar. O fato é que demos aos competidores os argumentos que sempre procuram.

E os prejuízos são incalculáveis.

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Reduzimos as exportações, principalmente carne de aves e de suínos, cujo ciclo de produção é como uma linha de montagem, com a diferença de que as peças estão vivas. Para exportar um contêiner de carne de frango, pequenos produtores precisam cuidar de galinhas poedeiras em suas granjas, os ovos viram pintinhos alimentados por uma bem estruturada produção de rações que contam com milho, soja e outros insumos de origem rural. E as galinhas não sabem que uma notícia falsa paralisou o mercado, continuam botando. O que fazer com os ovos ou com os pintinhos, se não adianta terminar o ciclo? Para onde vai a renda desses pequenos? É claro que, sem demanda, caem os preços da soja e do milho, o mercado trava bem no auge da colheita da safra de verão, que, só para piorar, é recorde. Sem escoamento de grãos, tem armazém para tudo? Caminhão para transportar sem poder descarregar? O mesmo acontece na linha de montagem de porcos. As matrizes vão parir. Que fazer? Quanta gente vai perder emprego? Quem paga isso? 

E ainda tem indústrias que param de processar e, assim, jogam para mais baixo o preço dos cereais e criações. Quem paga isso? O Brasil perdeu muito, sobretudo em imagem lá fora, mas também em faturamento de exportações. E o elo mais fraco, o do produtor rural, sem culpa nenhuma em todo o processo, é quem mais perde. E agora, quem vai pagar esse prejuízo todo? 

Opinião por Roberto Rodrigues
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