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Reação da economia deve demorar mais

Para economistas, últimos dados mostram que recuperação esperada para este ano não vai acontecer e crescimento em 2017 deve ser menor

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Por Márcia De Chiara
Atualização:

Apesar da troca de governo, da aprovação em dois turnos na Câmara dos Deputados da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para conter os gastos públicos e da recuperação dos indicadores de confiança do empresário e do consumidor, a economia real não está reagindo na velocidade esperada pelo mercado.

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Em agosto, o resultado de indicadores importantes apurados pelo IBGE, como a produção industrial e as vendas no varejo decepcionaram, com recuos de 3,8% e 2%, respectivamente, sobre o mês anterior. A queda de mais de 8% na arrecadação com impostos federais de setembro confirmou que a atividade continuou em baixa no mês seguinte. Esses resultados sacramentaram um consenso entre os economistas de que o Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre foi negativo e que a economia continua no fundo do poço.

Ficha. Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, lembra que dois meses atrás havia uma percepção generalizada no mercado de que o PIB do terceiro trimestre seria positivo. “Mudou o quadro para o terceiro trimestre, está caindo a ficha”, ressalta. Ela considera o quadro atual da economia muito grave e frágil porque neste momento, na sua avaliação, não há motores para impulsionar a atividade.

A frustração provocada pelos resultados da economia real em agosto e setembro fez consultorias privadas e departamentos econômicos de bancos reavaliarem informalmente as projeções do PIB para o terceiro trimestre. Oficialmente, o departamento econômico do Itaú Unibanco prevê queda de 0,5% no terceiro trimestre ante o segundo. Considera, no entanto, que a retração pode estar mais perto de 1%.

Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria Integrada, diz que a queda do PIB do terceiro trimestre está mais perto de 0,9% do que a previsão oficial da consultoria, que é uma retração de 0,2%. Também as projeções feitas pela consultoria de PIB para o quarto trimestre, para este ano e para 2017, podem mudar. “Para 2017, podemos ter um crescimento um pouco menor por conta do carregamento estatístico negativo”, diz ela. Por enquanto, a consultoria espera para o ano que vem um avanço de 1,5%.

Riscos. Nelson Marconi, professor de Macroeconomia da Fundação Getúlio Vargas, considera que há risco de uma taxa muito baixa de crescimento do PIB para o ano que vem, beirando o terreno negativo, se não houver mudanças na política econômica para provocar a demanda. “Corre-se esse risco se os juros não forem reduzidos, as concessões destravadas e o câmbio não for colocado no lugar.”

Mesmo com os indicadores preliminares apontando para um resultado ruim no terceiro e quarto trimestres, prevalece entre os economistas a avaliação de que em 2017 a atividade sairá do vermelho. Mas essa reação, para alguns, deve ocorrer só a partir do segundo semestre do ano que vem, quando ficará mais evidente o efeito do corte nos juros.

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POR QUE A ECONOMIA ESTÁ DEMORANDO PARA REAGIR?

Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos: “Uma coisa é a superação de uma crise e a melhora das expectativas. Outra coisa é voltar a crescer. Há segmentos da economia que não completaram o ciclo de ajuste, como emprego e crédito. A volta do crescimento depende de um motor que a economia não tem neste momento. Do lado externo, estamos falando de um comércio mundial estagnado. Mesmo que joguemos a taxa de câmbio para patamares altos, não é a exportação que vai trazer crescimento. Internamente, vamos depender de o Banco Central ter espaço para cortar as taxas de juros. Aí sim, após um volume significativo de redução da Selic, ocorrerá uma reação na atividade. Mas isso leva um tempo, é para o segundo semestre de 2017. Não é para já.”

Samuel Pessôa, pesquisador associado do Ibre/FGV: “A recuperação é branda e isso se deve ao nível de estrago que a economia sofreu. Para virar esse jogo, a inflação tem de convergir para a meta e o Banco Central baixar juros. Essa dinâmica já se iniciou. Temos de avançar nas reformas e consertar as bobagens feitas nos últimos dez anos. Temos um problema fiscal dramático. Começamos a lidar com ele. A PEC de gastos é um primeiro passo. Mas o problema fiscal ainda não foi equacionado, e isso tem implicações sobre o investimento. Não tem mágica em economia. Há um processo que tem uma dinâmica própria, em função dos erros cometidos no passado. A capacidade que a política econômica tem de acelerar esse processo é limitada.”

José Roberto Mendonça de Barros, economista e sócio da MB Associados: "Não estamos surpresos com os números relativamente fracos da economia no terceiro trimestre. O que pode ocorrer é que esse período seja um pouco mais negativo do que se previa. Mas já passamos do fundo do poço, com certeza. Acho que o Brasil parou de cavar o buraco e está na direção da saída. O limite de baixa para nós foi o terceiro trimestre. O que afetou esse período foi a quebra de safra e os setores dependentes de crédito, como imóveis e automóveis, que estão ruins. O que está bastante razoável são exportações, alimentação, vestuário, farmacêutico e investimentos. O desempenho do terceiro trimestre não muda a natureza de que toda a retomada será no ano que vem."

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Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro do Ibre/FGV: "Houve um certo excesso de otimismo em relação ao ritmo de recuperação da economia. Como havia a possibilidade de se estar à beira do abismo, é normal um excesso de otimismo com o novo governo. Mas quando a mudança é gerada por uma crise tão dura como a atual, economistas não fazem milagres. Estamos numa das mais severas recessões da nossa história e com diversos desafios. Acho que o grande desafio desta recessão é que tanto famílias como empresas e setor público estão muito endividados. Por isso, há pouco espaço para se fazer política monetária. A inflação está muito elevada. A saída da recessão é mais para 2017, mas não com esse crescimento que o mercado espera, de até 2%."

Nelson Marconi, professor de Macroeconomia da Fundação Getulio Vargas: “Os indicadores de confiança estão mostrando que os empresários têm uma expectativa melhor em relação ao futuro, mas essa mudança de expectativa é mais um desejo do que alguma coisa que tenha se concretizado na prática. Quando você olha para o lado real, ele continua pior do que estava antes. Porque o desemprego aumentou, a produção industrial continua patinando, o comércio apresentando taxas negativas. Todos os indicadores do lado real da economia estão indo para baixo. A reação da economia está lenta porque não tem demanda. Para sair de um imbróglio desse tamanho, é preciso ter um estímulo que seja externo aos fatores que puxam a demanda para baixo, como, por exemplo, juro menor e avanço das concessões.”

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