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Economia e outras histórias

Reação exagerada?

Por José Paulo Kupfer
Atualização:

Baixou um clima de fim do mundo depois da revisão da meta de superávit fiscal primário para os quatro anos do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. O corte em relação à meta original foi de fato drástico, surpreendeu os mais pessimistas e derrubou expectativas. Em lugar de produzir alguma esperança nos benefícios de uma condução transparente da política de ajuste das contas públicas, o choque de realidade resultou em ampliação do desalento. À medida que nada do que foi oficializado estivesse fora do radar dos analistas, a reação que se seguiu ao ajuste no ajuste fiscal não deixa de ser intrigante. Desde o anunciado no começo do ano, era menos do que um segredo de polichinelo ser impossível cumprir a meta original. A projeção de receitas embutida no projeto orçamentário, claramente superestimada, não deixava dúvidas quanto a essa impossibilidade. Os contravapores do Congresso hostil ao governo apenas selaram a sentença de morte.  O fato é que, na sequência da digestão da nova meta, que, além de se conformar com uma forte redução do esforço fiscal em 2015, diluiu o ajuste pelos anos seguintes, os mercados reagiram, imediatamente, com quedas na Bolsa, alta do dólar, elevação nos juros futuros e do CDS, que mede o risco de insolvência. Nesse ambiente, alastrou-se a sombra da perda do “grau de investimento”, concedido pelas agências de classificação de risco. Daí até a volta das apostas numa puxada de 0,5 ponto nos juros básicos, no Copom de amanhã, foi menos de um passo. Ainda que não haja espaço para duvidar da extrema dificuldade de reequilibrar a economia e relançá-la num prazo relativamente curto, de um ano ou dois, há nessa reação dos mercados um cheiro de “overshooting”. A não ser que se considere como inteiramente novo o quadro que emergiu depois da revisão da meta fiscal, são grandes as chances de que essa reação tenha sido, mais uma vez, exagerada - mesmo levando-se em conta a possibilidade de que 2015 termine com outro déficit fiscal, como em 2014. Essa conclusão parte do pressuposto de que não deveria ser novidade para ninguém que as dificuldades do atual programa de ajuste são muito maiores do que as dos anteriores mais recentes. Quando se combinam três dos fatores mais críticos nessas operações - situação da economia internacional, força política do governo e espaço para elevar a arrecadação de tributos -, o ajuste de 2015 é o único em que todos em conjunto apresentam limitações de grande monta.  Se não bastasse um ambiente econômico internacional adverso, com redução da demanda global, acirramento da competição no comércio exterior e risco de escalada do dólar, a extrema fragilidade política da presidente torna dramaticamente complicado encontrar atalhos para alcançar resultados rápidos. A soma de um Congresso rebelde, que não só reluta em aprovar aumento de receitas, mas também atua no sentido de elevar despesas, com um governo de baixíssima popularidade, potencializa o risco de fracasso da empreitada. É de acordo com essa dinâmica que a reação dos mercados à revisão da meta de ajuste fiscal soa um tanto estranha. Mais realismo e mais transparência foram castigados com uma deterioração galopante e instantânea dos valores de ativos, sob a alegação de que a perda do “grau de investimento” ficou mais próxima. Ocorre que essa possibilidade não ficou maior depois da revisão da meta fiscal, pela simples razão de que já estava bem dimensionada pelo mercado. Os indicadores econômicos brasileiros já eram mais compatíveis com a perspectiva negativa no último degrau do “grau de investimento” antes do “grau especulativo” e alguns deles equivaliam aos exibidos por economias já classificadas nesta última categoria, como é o caso da Turquia. Moral da história: se o rebaixamento da nota brasileira para a beira do abismo da perda do “grau de investimento” é praticamente certo, a queda no precipício do “grau especulativo” ainda não é.

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