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'Programa do governo atende princípio da dignidade do trabalhador', diz presidente do TST

Para ministra Maria Cristina Peduzzi, medida provisória que permite redução de salário é uma alternativa às demissões durante a crise do coronavírus

Por Idiana Tomazelli
Atualização:

BRASÍLIA – O programa do governo que permite negociações individuais de redução de jornada e remuneração ou suspensão temporária do contrato está de acordo com princípios constitucionais ao assegurar uma renda ao trabalhador num momento de crise, avalia a presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maria Cristina Peduzzi. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, ela diz que compartilha da visão de que a medida, que inclui o pagamento de um benefício equivalente a uma parte do seguro-desemprego pelo governo, é uma alternativa à demissão. “O princípio da dignidade da pessoa humana está, a meu ver, absolutamente atendido”, afirma. 

Maria Cristina Peduzzi, presidente do TST Foto: Gabriela Biló/Estadão

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Maria Cristina conta que tem trabalhado 18 horas por dia diante da maior demanda do tribunal e dos desafios impostos pelo trabalho a distância. Assim como milhões de brasileiros, a ministra também está trabalhando de casa. “Não tenho horário. Estou trabalhando o dobro”, diz. Apesar disso, ela defende o teletrabalho – regulado na última reforma trabalhista – como uma necessidade dos tempos modernos e afirma que tanto trabalhador quanto empresa devem colaborar para evitar extrapolação de limites.

Confira os principais trechos da entrevista:

Como as relações de trabalho vão sobreviver a esse cenário excepcional em que pandemia torna necessário o isolamento social?

O desafio é a fixação de novas formas de prestação de serviços para manter a vida funcionando. Estas novas modalidades são o teletrabalho, trabalho remoto, o trabalho a domicílio, que não comprometem o isolamento. Este é o cenário de sobrevivência. Se não o fizermos, o impacto econômico da paralisação no plano nacional e mundial é fatal. As respostas não são fáceis. Quais providências estão sendo tomadas? A edição de uma legislação específica ou excepcional que reconhece este estado de emergência e calamidade pública, e temos as Medidas Provisórias que buscam equacionar, disciplinar questões que surgiram com a pandemia. Estas normas excepcionais não estão restritas ao direito do trabalho. Temos a esfera do direito civil, direito de ir e vir. Você imagina que é um direito constitucional, mas eu tenho que ficar isolada. É uma política pública que eu devo observar.

A sra. quer dizer que a Constituição não pode ser interpretada de maneira estanque num momento como o atual?

Claro, porque o direito é sobretudo bom senso e lógica. Nós sempre vamos interpretar a lei de uma forma que conduza à segurança jurídica. Não podemos hoje exercer livremente o direito de ir e vir porque temos um fato externo que não permite que assim seja. Nós estaríamos aí colocando um direito constitucional maior, que é a vida e a saúde, que se sobrepõe ao de ir e vir. A legislação infraconstitucional está exatamente disciplinando nas diversas áreas a forma de continuarmos vivendo num período de crise. São normas temporárias que regulam as relações da forma como elas se posicionam hoje.

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Como a sra. viu as medidas do governo, sobretudo o programa que permite acordos individuais de redução de jornada e salário ou suspensão de contrato?

A Medida Provisória 936 estabeleceu a possibilidade por acordo individual para trabalhadores que recebem até três salários mínimos ou além (de duas vezes o) teto da Previdência, chamado hipersuficiente, que reduzam jornada, com correspondente redução de salário. Mas está preservado o valor do salário-hora. Fixou-se também para proteger o empregado um benefício social emergencial. Como opção, o empregado (pode aderir), sem qualquer relação com interesses coletivos dos sindicatos, e sim com interesses próprios... E veja, isto é possível? É, é possível. Veja por quê. A MP excepcionou, pelo momento, o princípio da inalterabilidade (do contrato, previsto na CLT), introduzindo essa possibilidade temporária e emergencial. A lei impõe a observância de proporcionalidade nas reduções, inclusive com cálculo deste benefício social. O sistema está absolutamente conforme a nossa arquitetura legal e constitucional. Eu compartilho da doutrina que identifica nessa medida uma alternativa à própria rescisão. Estamos vivendo um momento de exceção em que a preservação do salário é o mais importante. Quem não tem emprego está excluído da renda, do consumo, da sociedade. Então o princípio da dignidade da pessoa humana está, a meu ver, absolutamente atendido nessas providências que objetivam manter a inclusão social.

Há uma ação no STF questionando se a MP viola ou não a previsão constitucional de acordos coletivos. Aqui também é o caso de não interpretar a Constituição de forma tão fechada?

Não se trata de ir contra a Constituição ou de se estabelecer uma exceção. No caso concreto, não se estabeleceu uma redução isolada do salário ou uma redução isolada da jornada. Manteve-se o valor do salário-hora inalterado e se possibilitou ao trabalhador aderir a um benefício social que vai preservar a remuneração num momento de crise. Então não se trata de redução de salário ou de redução de jornada de forma autônoma.

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O governo viu risco de, sem o programa, demissões em massa levarem empresas a não conseguir pagar verbas rescisórias. O TST viu esse risco? Como agir?

As consequências da pandemia são imprevisíveis. Este momento é delicado e impõe a união dos trabalhadores, das empresas e do poder público para enfrentar a crise e buscar, na medida do possível, a preservação dos empregos, dos salários e do trabalho. Estamos reinventando nossas atividades, já utilizávamos plenário virtual para julgamento, editamos o ato para ainda no mês de abril atuarmos no plenário telepresencial, em que é permitida sustentação oral do advogado, a participação do Ministério Público. O Poder Judiciário está atuando no que lhe compete, resolvendo conflitos que surgem em épocas de crise mais acentuadamente. Vamos trabalhar para evitar as demissões na medida do que é possível.

Os trabalhadores devem se preocupar com casos de empresas sem receitas demitirem? Como o tribunal pode ajudar?

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Julgando os conflitos, mesmo nesse cenário de crise, inclusive por meio virtual. Eu aqui estou trabalhando 18 horas por dia, não saio da frente do meu computador. O principal papel da Justiça do Trabalho é dar segurança jurídica, observando os precedentes e aplicando a lei, com previsibilidade.

A sra. comentou do ritmo de trabalho mais intenso. Muitas empresas estão adotando o teletrabalho, que tem regras mais flexíveis de controle de jornada, por exemplo. O emprego em massa desse tipo de contrato pode fragilizar as condições de trabalho?

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O teletrabalho garante tanto para empregado quanto para empregador, maior flexibilidade quanto ao local da prestação do serviço e quanto ao horário. O maior beneficiário do teletrabalho é o empregado, nem é o empregador. Ele atende também aos interesses da sociedade, você diminui o trânsito, o deslocamento. Há vantagens para ambos, apesar de que doutrinariamente se identifica especialmente para o empregado, que pode inclusive acumular com outro tipo de trabalho, uma vez que ele não tem uma jornada fixa. Qual foi a preocupação? Estabelecer mecanismos de segurança, para que o empregado tenha em casa condições adequadas de trabalho que atendam aos requisitos da segurança. Tem que ter equipamentos, infraestrutura, até a cadeira, instrumentos tecnológicos de comunicação, físicos, iluminação. Em relação ao controle da jornada, isso vai depender do próprio trabalhador. Temos condições de nos adaptar e, assim, atender às necessidades, em especial dos próprios trabalhadores. Nós estamos agora, na pandemia, até aperfeiçoando a utilização desse meio. Quando terminar a pandemia nós vamos viajar menos a trabalho provavelmente, vamos ter aula a distância, educação a distância já é uma realidade já bem sucedida, talvez seja mais usada. Então vejo como um mecanismo necessário aos tempos, não só de coronavírus, mas aos tempos contemporâneos permanentes de trabalho.

Não há então uma fragilização das condições de trabalho? É algo que depende só do trabalhador?

Não diria que depende só do trabalhador ou só da empresa. Porque, no que diz (respeito) ao empregado, ele precisa se policiar para estabelecer, também no teletrabalho, um ritmo racional. Isso é um exercício que ele vai fazer. Por parte da empresa, (o papel) está em exigir tarefas possíveis de serem feitas naquele período. Então, há um controle? Há. Sempre nós temos que ter controle. Podem não ser matemáticos, podem não ser por meio de uma assinatura ou de uma máquina que vai ver horário de saída e de entrada, mas nós temos como fazer esses controles. Se o empregado amanhã perceber que as tarefas que lhe estão sendo exigidas estão além do horário normal de trabalho, que é de oito horas, mesmo não tendo controle específico... se estiver sendo excessivo, ele terá como opor resistência. A própria CLT diz, observam-se as horas legítimas do empregador, então esse sistema de controle é feito pelos contratantes. Eu posso trabalhar dentro do meu limite. Eu te digo que hoje eu estou trabalhando além dos meus limites, mas é um período excepcional, eu tenho uma responsabilidade como agente público, como presidente do Tribunal mais ainda. Em qualquer circunstância, temos que observar os nossos limites, e eles são possíveis de ser observados se você impuser uma disciplina a si e ao empregador, se ele avançar.

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