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Reforma da Previdência e taxa de juro

A reforma proposta pelo governo tende a reduzir a taxa neutra de juro por três canais principais: ao reduzir os gastos previdenciários, as 'generosidades' às faixas de renda mais altas e a percepção de risco de default da dívida

Por Cláudio Adilson
Atualização:

A taxa básica de juro no Brasil, estabelecida pelo Banco Central (BC), vem caindo gradualmente, em decorrência de reduções da inflação (tanto a observada quanto a esperada) e do risco de calote da dívida pública, este último medido pelo chamado CDS (Credit Default Swap), uma espécie de seguro contra eventual calote.

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O BC, por sua vez, tem afirmado que continuará reduzindo o juro básico pelo menos até o ponto em que a taxa real de juro (juro nominal menos a taxa esperada de inflação) seja igual à taxa estrutural de juro da economia, mais usualmente conhecida como taxa neutra. O termo “pelo menos” foi por mim acrescentado, porque nada impede que, no curto prazo, a taxa real de juro seja diferente da neutra, no caso atual provavelmente para menos, em razão de fatores específicos ligados ao ciclo econômico.

O conceito de taxa neutra de juro não é simples, mas tentarei, com certo prejuízo do rigor técnico, transmitir a ideia para o leitor não economista. Para isso necessitamos entender os significados de PIB efetivo e de PIB potencial.

O primeiro nada mais é do que o PIB observado, conforme dados do IBGE. Já o potencial é o nível do PIB que pode ser obtido com o pleno-emprego dos fatores de produção, quais sejam, capital e trabalho. Quando o PIB efetivo supera o potencial, a economia está trabalhando acima de sua capacidade, o que tende a encarecer o custo dos fatores de produção e, com isso, a aumentar a inflação.

No caso contrário, quando o PIB efetivo é menor do que o potencial, haveria uma subutilização dos recursos produtivos, o que provocaria queda da inflação e aumento do desemprego.

A teoria econômica sustenta que há uma relação inversa entre taxa real de juro e as demandas de consumo e de investimento, principais determinantes do PIB efetivo. Assim, a taxa neutra de juro seria aquela que promoveria a igualdade entre o PIB efetivo e o potencial, o que estabiliza a taxa de desemprego no menor nível possível e faz com que a inflação convirja para a meta estabelecida pelo governo. No médio e no longo prazos, a taxa neutra será tanto menor quanto maior for o nível de poupança pública e privada, e tanto menor quanto mais baixo for o risco da dívida pública.

A reforma da Previdência, tal como proposta pelo governo, tende a reduzir a taxa neutra de juro por três canais principais. Primeiro, ao reduzir os gastos previdenciários, concorre para aumentar a poupança pública (na atualidade, negativa). Segundo, ao reduzir certas “generosidades” para as faixas de renda mais altas, estimula a poupança privada para garantir a manutenção do padrão de vida após a aposentadoria. Terceiro, reduzirá a percepção de risco de default da dívida do governo, dada a melhora que provocará nas contas públicas.

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A queda da taxa neutra possibilitará ao BC reduzir mais e de forma sustentável a taxa básica de juro, o que estimulará o investimento, o crescimento econômico e a geração de empregos.

A análise até aqui reforça a ideia de que os maiores beneficiários pela reforma da Previdência são os jovens, paradoxalmente os que mais ocupam as ruas para protestar contra sua aprovação. 

A taxa de desemprego é muito maior nas faixas mais jovens da força de trabalho. Portanto, é esse segmento populacional o que sofre com maior rigor o baixo crescimento e a reduzida oferta de vagas, situação que tende a ser atenuada de imediato, assim que a reforma for aprovada e der sustentação à redução da taxa básica de juro.

Finalmente, não é demais lembrar que, sem a reforma, aqueles que ainda não ingressaram na força de trabalho ou que o fizeram recentemente têm suas aposentadorias e pensões ameaçadas pela trajetória de insolvência do sistema. De fato, a demografia brasileira é desafiadora. Basta lembrar que, dentro de uma década e meia, a população em idade ativa começará a cair em termos absolutos. É muito injusto transferir o ônus desse desequilíbrio aos jovens e às gerações futuras. *ECONOMISTA, DIRETOR DA MCM CONSULTORES, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

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