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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Rendição unilateral

A Grécia teve de entregar tudo, inclusive sua soberania fiscal, para receber dinheiro novo cujo objetivo imediato é reabrir os bancos

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Atualização:

Não há expressão melhor para qualificar o que a cúpula da área do euro decidiu, na madrugada desta segunda-feira, em Bruxelas, sobre a saída da crise da Grécia do que a que está no título acima.

A Grécia teve de entregar tudo, inclusive sua soberania fiscal, para receber dinheiro novo cujo objetivo imediato é reabrir os bancos. Não haverá corte da dívida, apenas prorrogação de prazos. Ao contrário, a dívida aumentará porque a ela será incorporado o socorro de 86 bilhões de euros, a ser recebido em parcelas, se as cláusulas forem cumpridas. Nada menos que 50 bilhões de euros em ativos estatais da Grécia terão de ser leiloados sob a supervisão do grupo do euro.

Tsipras. Ficou difícil de explicar Foto: Jean-Paul Pelissier/Reuters

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As condições do pacote são mais duras do que as rejeitadas pelo plebiscito realizado apenas oito dias antes e ainda mais duras do que as aprovadas, em princípio, pelo Parlamento da Grécia, na última quarta-feira, que, por sua vez, tinham sido mais austeras do que as que foram objeto do plebiscito. Essa consulta popular foi um evento absurdo, convocado e executado às pressas. Seus termos falavam de um plano de superação da dívida já extinto, cujos resultados (rejeição do acordo) foram ignorados tanto pelos líderes do eurogrupo quanto pelo primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras.

A Grécia foi colocada de joelhos, à mercê da cúpula do euro. A outra opção à submissão seria a saída da área do euro, hipótese que provocaria um desastre maior na economia e na vida do povo grego.

A bola está agora com o Parlamento, que terá de aprovar ou rejeitar os termos da capitulação. Se aprovar, terá de pronunciar-se novamente contra a decisão do plebiscito. Se rejeitar, atirará a Grécia para o precipício. Nessas condições, a quebra da maioria dos seus bancos ficaria inevitável.

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As sete páginas do documento, negociado neste fim de semana durante 17 horas, levam as assinaturas dos chefes de Estado e de governo dos 19 membros do eurogrupo - e não apenas as de Angela Merkel, que comanda a cavalaria prussiana.

Contêm longa lista de imposições que a revista alemã Der Spiegel chamou ironicamente de “catálogo de atrocidades”. Exigem reforma do sistema tributário com aumento de impostos, reforma do sistema judiciário, reforma do regime previdenciário, que reduzirá aposentadorias e imporá idade mínima de 67 anos, e encolhimento do setor público. 

O tempo dirá até que ponto o ambíguo Tsipras e seu partido com propostas nacionalistas radicais, o Syriza, se desmoralizaram, não apenas entre seus pares da área do euro, mas também na Grécia. Para aprovar o pacote que antes considerava abominável, o primeiro-ministro depende agora da oposição e dos que votaram contra ele no plebiscito. E sabe-se lá se essa dependência não lhe vai custar a sobrevivência política.

Do ponto de vista prático, ficou claro que, em casos de crise fiscal, não há saída que não envolva austeridade e muito sacrifício. E essa não é uma lição que serve apenas para “folgados” que habitam as terras do outro lado do Atlântico. Serve especialmente para nós, brasileiros, que adoramos o consumo fácil baseado no avanço do endividamento “a perder de vista”.

CONFIRA:

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Facilidades no consignado O governo aumentou nesta segunda-feira de 30% para 35% o limite do desconto diretamente do salário ou da aposentadoria no crédito consignado. A ideia parece boa. É permitir que um dinheiro mais barato seja usado para pagar dívidas muito mais caras feitas com o cartão de crédito.

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Contradição Mas é decisão que contraria a política monetária. Ou o Banco Central está certo quando reduz o volume de dinheiro e de crédito e, nesse caso, não cabe expansão do crédito; ou o Banco Central está errado e não cabe a política monetária restritiva. 

Ineficiência É por decisões contraditórias desse tipo que a política monetária é tão ineficiente no Brasil. Ou seja, é para compensar ineficiências assim que os juros têm de subir essa enormidade para combater a inflação. É por isso, também, que decisões desse tipo lembram a política dos puxadinhos que a presidente Dilma e seu ministro Guido Mantega praticaram ao longo do seu primeiro mandato.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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