BERLIM - No ápice das cruciais negociações referentes ao último plano de ajuda à Grécia, em julho, a Alemanha apresentou uma proposta que invalidava décadas de promessas de avanço para uma maior unidade europeia: a Grécia, afirmou, poderia receber a oferta de uma saída temporária do euro. A proposta refletia a demonstração de força da linha-dura em Berlim. Mas foi primeiramente levantada em caráter particular não pelos alemães, mas pela Eslovênia, um minúsculo país da zona do euro.
A proposta da Eslovênia foi um duplo triunfo para a Alemanha. A persistente crise econômica da Grécia não só nada fez para amenizar a insistência alemã no rigoroso cumprimento das normas, na austeridade fiscal e nas consequências dolorosas para os países que não cumprem suas obrigações, mas também fortaleceu concretamente a vontade dos aliados da Alemanha na Europa de impor condições ainda mais duras a Atenas. De Lisboa à Letônia, desde os países credores aos devedores, entre alguns líderes de esquerda bem como entre governos conservadores, a resposta à Grécia refletia uma profunda aversão a governos que gastaram para combater a crise econômica e a confiança em mercados de trabalho sem regulamentação. Trata-se da visão de políticas de mercado austeras que rompem com o passado da Europa. A Alemanha convenceu os líderes europeus a se aterem mais firmemente ao que poderia ser chamado de consenso de Berlim por uma combinação de paciente diplomacia e inteligente política do risco calculado, explorando o alarme quanto às trapaças dos líderes gregos, como falaram numerosos participantes das conversações sobre a crise, nas entrevistas. Foi uma vitória, admitem muitos desses participantes, que refletiu a política da Europa de hoje, e não um plano viável para ajudar a economia grega no curto prazo.
'A convicção de que o euro pode ser usado para trazer a 'reeducação' econômica ao sul da Europa se revelará uma perigosa falácia - e não apenas na Grécia', diz Joschka Fisher, ex-chanceler da Alemanha de esquerda
Entraves ao crescimento. Apesar das previsões de que a recuperação se seguiria ao amargo remédio que a Alemanha e credores como o Fundo Monetário Internacional prescreveram para a Grécia durante cinco anos, o país está mergulhado numa crise muito próxima da depressão. E o mais recente pacote intensifica a austeridade em lugar de aliviá-la. Na opinião de muitos economistas, particularmente nos EUA e na Grã-Bretanha, a contínua imposição de uma estratégia de cortes do orçamento num longo período de crise impede a recuperação, não apenas da Grécia, mas de todo o continente. O desemprego na zona do euro supera os 11%, mais do que o dobro dos Estados Unidos. Sua produção econômica em 2014 foi inferior à de 2007, antes da crise global. O desemprego é particularmente elevado entre os jovens, indicando a possibilidade de danos persistentes ao potencial econômico do continente, porque os jovens estão ociosos num momento em que normalmente poriam em prática sua capacidade.Crise política. Movimentos políticos nacionalistas e populistas, tanto da esquerda quanto da direita, aproveitando-se dos problemas econômicos, minam o apoio à unidade da Europa. "A convicção de que o euro pode ser usado para trazer a 'reeducação' econômica ao sul da Europa se revelará uma perigosa falácia - e não apenas na Grécia", escreveu na semana passada, Joschka Fischer, um ex-chanceler da Alemanha de esquerda. A crescente influência do consenso de Berlim, apesar dessas tendências, tem muito a ver com a reação política negativa na Europa ao governo grego do primeiro-ministro Alexis Tsipras e seu partido de esquerda radical Syriza. As fogosas afirmações de Tsipras contra a austeridade, embora refletindo o ponto de vista de vários economistas, foram prejudicadas, pelo menos em parte, pelas medidas inconsistentes do seu governo e pelos desafios frontais à liderança alemã. Mas tentativas anteriores dos governos atuais da França e da Itália visando a encorajar uma maior flexibilidade na imposição da austeridade também fizeram poucos progressos. Como a Grécia, eles esbarraram numa combinação da sutil diplomacia alemã dos seus experimentados líderes de centro-direita, a chanceler Angela Merkel e seu ministro das Finanças, Wolfgang Schaeuble; da credibilidade e do poder da Alemanha derivados de uma forte economia interna; e, talvez o mais importante, de considerações políticas internas em países de toda a Europa que estimulam seus líderes a expressar maior devoção à maneira de agir da Alemanha. Essa filosofia, aplicada desde que a crise financeira começou a subverter a economia global em 2008, transcende as linhas típicas da direita ou da esquerda (um dos principais arquitetos do último plano de ajuda à Grécia, que pede mais austeridade e importantes reformas, foi o ministro de Finanças alemão, membro do Partido Trabalhista). E não se trata simplesmente de uma questão de credores contra devedores. No fim, num debate crucial que fixou a posição da Europa contra a Grécia nas negociações da semana de 12 de julho, 15 nações concordaram com a posição intransigente, enquanto apenas três, França, Itália e Chipre, se isolaram por preferirem uma estratégia mais generosa aberta ao perdão da dívida./ TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA