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Retrocesso à vista

Proposta de tabelamento de fretes rodoviários é extremamente preocupante

Por Carlo Lovatelli
Atualização:

A colheita brasileira de grãos, puxada pela soja e pelo milho, deve alcançar 215 milhões de toneladas na safra 2016/2017, 15% mais que no ciclo anterior. Esse avanço deve conter a inflação pelo aumento da oferta de alimentos, impulsionar as exportações e movimentar a economia interna pela geração de empregos e renda. Bom para a sociedade brasileira e para os transportadores rodoviários de carga.

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Essa safra recorde significa contratação de mais fretes a preços mais elevados, como já se tem observado desde meados de janeiro. Assim funciona uma economia de mercado: fretes mais baixos ocorrem quando a demanda por esse serviço é menor em relação à oferta, e vice-versa. No ano passado, safras menos volumosas e recessão econômica contribuíram para que a demanda fosse menor que a oferta. Contudo, o crescimento econômico e, especialmente, o aumento da produção agropecuária reverterão esse quadro e trarão novo ciclo virtuoso para o setor de transporte.

Entretanto, a economia de mercado baseada nos princípios constitucionais da livre-iniciativa (art. 1.º, IV) e da livre concorrência (art. 170) está sendo ameaçada pelo Projeto de Lei (PL) 528/2015, que propõe uma política de preços mínimos do transporte rodoviário de cargas.

Para 32 entidades representativas da cadeia do agronegócio, essa proposta de tabelamento de fretes é extremamente preocupante. Em primeiro lugar, a medida é claramente inconstitucional, pois viola os mencionados artigos e faz com que o Estado atue de forma desnecessária e indevida em um setor caracterizado pelo livre funcionamento das forças de mercado. Posição do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso endossa esse argumento: a livre fixação de preços é elemento fundamental da livre concorrência. Por isso, o controle prévio de preços como política pública viola a Constituição.

Além da flagrante inconstitucionalidade, o PL 528/2015 propõe uma política economicamente ineficaz, pois já se sabe que o tabelamento de preços cria distorções e não se presta a resolver desequilíbrios de oferta e demanda. Ao contrário, a imposição de pisos arbitrários pode, inclusive, ensejar nova sobreoferta de caminhões e manter situação permanente de artificialidade na economia. Também haverá margens para insegurança jurídica a partir de questionamentos da regra, descumprimento da lei pela incapacidade de fiscalização e geração de distorções desnecessárias entre as empresas usuárias.

Além disso, se aprovado o PL 528/2015, toda a sociedade será penalizada, pois haverá aumento dos custos de transporte e da inflação, perda de competitividade das exportações e desestímulo à produção, com impactos diretos na redução da renda do produtor rural.

Em realidade, a pressão para o Brasil ter preços mínimos de transporte rodoviário de cargas explica-se pelos efeitos da crise do setor, decorrente de uma política governamental equivocada, de crescimento da frota em ritmo muito acima das necessidades do País, e de uma recessão econômica que diminuiu a demanda por fretes rodoviários. Essa combinação de fatores propiciou uma crise sobre os transportadores e motoristas autônomos, que passaram a buscar medidas que não solucionarão seu problema real: a oferta de caminhões maior que a demanda e a consequente ociosidade, que gerou queda nos valores dos fretes.

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País de dimensão continental, o Brasil ainda exibe uma participação alta do modal rodoviário (65% do total), na comparação com os modais ferroviário e fluvial. Essa realidade está mudando com o aumento da produtividade das ferrovias e os novos terminais fluviais do Norte do País, mas o potencial de produção agrícola manterá por muitos anos a importância dos caminhões no escoamento de produtos. Daí a importância de nos aferrarmos aos princípios de uma economia de livre mercado, na qual é a lei da oferta e da demanda que influencia os fretes, e não buscarmos soluções simples e erradas para um problema complexo.

*É PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INDÚSTRIAS DE ÓLEOS VEGETAIS

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